quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Venda

VENDA

O dono da venda do vilarejo ofereceu a ele que comprasse o negócio.
A ex-mulher dele estava interessada na compra dessa venda e tentou comprá-la com um sócio, que fôra amigo dele e com quem vinha tentando estabelecer algum negócio há algum tempo. Eles pretendiam comprar ou montar um bar, objetivando promover bailes, acreditando que, com isso, conseguiriam fregueses e bom faturamento.
A ex-mulher e o ex-amigo dele, não puderam comprar a venda em questão porque o proprietário do imóvel não os quis como inquilinos, chegando a dizer que, se não houvesse outra opção, ele preferia deixar o imóvel fechado do que alugá-lo para eles.
Quando o negócio lhe foi oferecido, ele verificou que a maior dificuldade seria conseguir alguém que pudesse dividir com ele o trabalho e que pudesse assumir o negócio quando ele tivesse que se ausentar, principalmente para fazer compras. Teria que ser uma pessoa responsável, capaz e honesta. Não é coisa fácil de se conseguir nos dias atuais. Ele colocou esse problema ao comerciante que pretendia vender-lhe o negócio.
No dia seguinte, voltando à venda, o comerciante lhe informou que a ex-mulher se mostrara interessada em participar do negócio com ele. Disse que ela teria dito que a dificuldade estava no fato de que o ex-marido não conversava com ela. Ele alegava o contrário: ela é que não conversava com ele. Disse ao comerciante que lhe dissesse que, se tivesse real interesse no negócio, que ela o procurasse.
Ela, há pouco tempo, estava namorando um rapazinho que era sócio dele em um trator, que ele estava vendendo. O dinheiro da venda do trator ( a parte dele) é que seria usado para a compra da venda. O sócio receberia os vinte e cinco por cento a que tinha direito.
No dia seguinte, ele decidiu procurá-la, para verificar a viabilidade de realizarem o negócio. Foi até a casa em que ela estava morando, pediu para chamá-la e iniciou o diálogo:
- Tudo bem?
- Tudo.
- Você está interessada em entrar comigo no negócio da venda?
- Estou.
- E, qual a sua proposta?
- Não sei, você é quem está negociando.
- Bom, mas você estava tentando fazer o negócio sem mim, portanto, deve Ter alguma idéia do que pretende.
- A gente iria comprar e tocar o negócio. Não chegamos a discutir os detalhes de como seria feito.
- Bem, o negócio é relativamente simples. O estabelecimento está montado, com os equipamentos em funcionamento e com estoque de mercadoria. O preço total que ele está pedindo é de R$12.000,00. Ele quer R$6.000,00 de entrada e o resto em parcelas a serem combinadas. O negócio precisa dispor de duas pessoas, para as horas de maior movimento e, principalmente, para que uma delas possa se ausentar sem causar problemas ao seu funcionamento. – Ele fez uma pausa e depois perguntou: - Você tem dinheiro para participar do pagamento da entrada?
- Tenho.
- Ao que me consta, você não tem dinheiro. O que diz Ter, deve ser conseguido de alguma outra fonte. Pode me dizer como pretende consegui-lo?
- Com o pai do meu namorado ou com ele próprio.
- Uma coisa deve ficar suficientemente clara: se chegarmos a fazer o negócio, ele será entre nós dois, sem a interferência de quem quer que seja, nem na administração, nem na operação e muito menos em qualquer decisão. Portanto, o dinheiro que você conseguir não poderá estar vinculado a qualquer tipo de participação de quem o emprestar, no negócio. Está claro?
- Por que? – Perguntou ela.
- Porque qualquer relacionamento, comercial ou particular está sujeito a conflitos. Se as pessoas envolvidas tiverem um mínimo de capacidade racional, os problemas poderão ser resolvidos de maneira adequada. Entre as pessoas com quem você está se relacionando, não vejo o mínimo dessa capacidade racional e, algumas delas, tem sérios problemas de caráter, o que é um empecilho muito grande a qualquer relacionamento. Por isso a condição: ninguém, além de nós dois, poderá interferir, em hipótese alguma, no negócio, em qualquer de suas fases. Isso é extensivo a amigos e parentes. Quando precisarmos de qualquer participação de outras pessoas, decidiremos isso de comum acordo, sem o quê, nenhuma interferência será admitida.
- Acho que não tem problema que seja assim. – Disse ela
- Consideremos, agora, a operacionalização do negócio. Eu ocuparei a parte residencial, que poderá ser dividida com você. No entanto, devido ao relacionamento que está tendo, não acredito que pretenda isso. Nós trabalharemos em conjunto e, desde que não haja consenso, os dois permanecerão no estabelecimento em horário integral. É claro que, como o movimento é fraco na maior parte do dia; poderemos estabelecer uma escala de trabalho, com horários livres para cada um. Eu serei o encarregado das compras e isso me obrigará a ausentar-me por um ou dois dias por semana. Nesses períodos, você deverá pernoitar no estabelecimento com a companhia que lhe convier. O trabalho nos obrigará a uma convivência muito próxima e constante. É claro que isso será insuportável num clima de inimizade, de confronto. Você tem desprezado a amizade que sempre te dediquei, evitando-me ao máximo, só aceitando conversar quando não consegue evitá-lo. Já te perguntei várias vezes sobre os motivos que te levaram a agir assim e você nunca se dispôs a mencioná-los. É claro que será impossível que venhamos a Ter tal convivência, sem que os problemas de relacionamento que temos vivido, posam ser esclarecidos e resolvidos. Portanto, que motivos te fizeram me desprezar dessa maneira?
- Eu não te desprezei!
- Esse é o problema: palavras. Você fala muito, enrola e não diz nada. Ao mesmo tempo, suas atitudes demonstram com escancarada clareza as emoções e valores que te dominam. Portanto, se quisermos chegar a alguma conclusão, deveremos nos ater ao mais simples possível, tentando identificar as causas, objetivando encontrar soluções. Nesse sentido, volto a te perguntar: por que o desprezo?
- Eu não te desprezei. Você é que não quis conversa comigo e eu respeitei.
- Vamos tentar por outro lado, abordando pontos fundamentais. Que motivos te levaram a me abandonar daquela maneira?
- Eu já te disse: não foi nada especial, foi uma somatória de pequenas coisas que foram enchendo o saco até que aconteceu o problema da festa, que foi a gota d’água. Decidi ir embora para evitar maiores problemas, te deixar livre para fazer o que você quisesse e deixar de ser incomodado pelos motivos que dizia que eu estava dando.
- Tudo bem. Mas, por favor, repita os motivos, mesmo que pequenos. Afinal foram eles que te levaram a tomar aquela decisão.
- Você implicava com as visitas que eu fazia à minha mãe. Vivia dizendo que eu era influenciada por ela. Dizia a mesma coisa em relação ao Luizinho. Ficou bravo por causa da festa do aniversário do Régis. Quando, no Sábado, depois que todos foram embora, reclamou da bagunça na casa, obrigando-me a ficar até altas horas limpando-a. No Domingo, reclamou quando eu disse que iria sair com o carro para vender as coisas. Ficou sem conversar e com cara feia. Foi isso.
- Tudo isso aconteceu, mas não com a intensidade que você está colocando. No entanto, mesmo que tenha sido com toda essa ênfase, acha que eram motivos suficientes para tanta pressa, tamanha urgência para a separação?
- Eu estava nervosa. Agi por impulso. Estava me sentindo muito mal.
- É justificável. Até em homicídios a forte emoção é usada como atenuante para o crime. No entanto, você teve tempo – e eu respeitei isso – desde Terça feira até Domingo, quando recebeu o recado que te deixei de que precisava conversar, buscando entender o que acontecera e buscando solucionar o problema. Você se negou a conversar. No dia seguinte ao que você foi embora, te procurei, dizendo que o carro, a moto, tudo que havia em casa, inclusive eu; estávamos a tua inteira disposição. Você se limitou a informar que o Milton te dera o dinheiro do cheque que lhe emprestáramos, perguntando se eu queria o dinheiro. Te disse para ficar com ele para eventuais necessidades. Na Segunda-feira seguinte, voltei ao sítio e você teve a oportunidade de conversar comigo. Não o fês e mandou o Chico pegar o tanquinho e a geladeira. Não quis conversar nem para reinvidicar isso. Isso não é desprezo?
- Não. Eu estava exercendo o meu direito de não querer mais o relacionamento, sem enganar, sem trair, sem fazer nada de errado. Achei que qualquer conversa só iria piorar as coisas e causar mais sofrimento.
- Você agiu segundo a sua vontade, seus interesses, sem a menor preocupação com o que eu pudesse estar sofrendo. Desprezou totalmente a mim e a meus sentimentos. Agiu com um egoísmo extremo, desprezando tudo que não te afetasse diretamente. Você não agiu erradamente com o marido, com o amante; foi cruel com o amigo, abandonando-o sem a menor consideração, sem qualquer respeito, como se fosse um traste velho, desprezível.
- Não foi isso! Evitei conversar, como já te disse, para não aumentar o problema, não causar mais sofrimento. Foi só isso, não teve nada de desprezo.
- Por que você acha que tem o direito de decidir sozinha o que é melhor para qualquer outra pessoa, principalmente quando essa pessoa demonstrou, sem dúvida, sua capacidade de dialogar e buscar soluções?
- Eu não decidi nada por você. Decidi por mim.
- Desconsiderando tudo o que pudesse me atingir.
- Não! Fiz o que achei melhor para você, também.
- Por que você acha que tem capacidade de saber o que é melhor ou não para mim?
- Fiz o que achei que era o melhor.
- Você me considerou incapaz de julgar o que me era melhor, decidindo por mim. Continua achando que isso é correto?
- Não. Não decidi por você, decidi por mim.
- Então está confessando que me desprezou totalmente?
- Não. Achei que era o melhor.
- Para mim?
- Para nós.
- Se é para nós, estou incluido, portanto, julgou que era o melhor para mim.
- Também.
- Com que direito?
- Não sei. Não fiz por mal.
- Não fez por mal, mas pode verificar o mal causado, mesmo porque eu o declarei várias vezes e, mesmo assim, continuou desprezando tudo o que eu estava passando.
- Mas, o que isso tem a ver com o negócio que estamos tentando acertar?
- Se você abandonou um grande amor e, principalmente, um grande amigo, sem qualquer consideração; imagine o que poderá fazer com um simples sócio! De uma hora para outra, você decide que está descontente com o negócio e o abandona sem mais nem menos. Acho que isso é razoável?
- Eu nunca faria isso com um negócio! Não sou irresponsável e você sabe disso.
- Está dizendo que um negócio é mais importante que um amor e uma amizade?
- Claro que não!
- Novamente você está dizendo uma coisa e demonstrando outra: diz que o valor do amor e da amizade são maiores do que o de um negócio; no entanto, declara que respeita mais o negócio que o amor e a amizade.
- Não foi isso que eu disse!
- Você disse que não abandonaria um negócio como abandonou o amor e a amizade, ou não?
- São duas coisas diferentes.
- Sim. E você está valorizando mais o negócio que o resto.
- Continuo não concordando que te desprezei.
- Bom. Vamos analisar mais um fato. Entre eu e o Maravilha, você o escolheu. O que ele tem melhor que eu, ou o que eu sou pior que ele?
- Eu não escolhi o Maravilha.
- Escolheu sim. Há muitas testemunhas quanto a isso. Eu te declarei a mais sincera amizade incondicional. No entanto, você preferiu a amizade dele, convivendo intimamente e nunca deu a menor demonstração de querer desfrutar minha amizade. Muito pelo contrário, evitou-me o quanto pôde. Isso não é crime. Você tem o direito de escolher as amizades que quiser. Só não pode negar o desprezo que aconteceu.
- Não foi desprezo.
- Embora eu tenha me prontificado a te ajudar a fazer alguma coisa, em termos de trabalho, incluindo negócio; você desprezou, tentando, até agora, fazer qualquer coisa com o Maravilha. Só aceitou enfrentar este negócio comigo, porque não conseguiu nada com ele. Mesmo assim, é provável que pretenda inclui-lo neste negócio. Você só está aceitando conversar a respeito deste negócio comigo, porque todas suas tentativas, até agora, fracassaram. Você pôde verificar, por si própria, que as coisas não são tão fáceis como imaginara e que sua capacidade também não é condizente com o que você imaginou.
- Eu não tinha ilusão de que as coisas seriam fáceis! Tinha consciência que enfrentaria muitas dificuldades.
- Mas, ao que tudo indica, não considerou que seriam tão difíceis assim, tanto é que optou pelo caminho mais difícil, associando-se a quem é totalmente incapacitado. Talvez tenha julgado que sua capacidade seria suficiente.

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