quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O encontro

O ENCONTRO

Ele perambulava pelas poucas ruas da cidadezinha, sem destino, sem noção do tempo, calado, sombrio. Andava vagarosamente, como um autômato, sem vontade, simplesmente se movendo.
- Boa noite, será que o senhor pode me ajudar? – Era uma mulher de uns quarenta anos que se dirigia a ele. – O pneu do meu carro furou e não consigo soltar os parafusos; o senhor pode me ajudar? – Ele, sem dizer nada, pegou a chave de rodas e começou a soltar os parafusos.
- O senhor mora por aqui?
- Moro num sítio, na roça.
- O senhor pode me indicar algum hotel ou pousada?
- Tem várias pousadas por ai.
- O senhor recomendaria alguma?
- Não tenho informações que me permitam recomendar alguma em especial. Há desde pousadas simples, até, aparentemente, mais sofisticadas.
- O senhor conhece alguma fora da cidade?
- Há várias.
- Eu gostaria de ficar num lugar tranqüilo, simples, junto da natureza. O senhor conhece algum assim?
- Perto de onde eu moro há um, com as características que a senhora está descrevendo.
- Por favor, não me chame de senhora, prefiro ser tratada de você, se não se incomoda. Meu nome é Luiza, e o seu?
- Mateus.
- Muito prazer senhor Mateus. Depois, o senhor pode me indicar como chegar a essa pousada?
- Posso. O problema é que, a esta hora, dificilmente você conseguirá refeição lá. Eles costumam trabalhar com reservas e, chegando de repente, podem não estar preparados para oferecer refeições. – Ele terminara de trocar o pneu, guardou as ferramentas e o pneu furado e recomendou à mulher. – É melhor você mandar arrumar esse pneu, pois a estrada é de terra, com pedras e buracos. Se furar outro pneu, você ficará na mão.
- E onde posso mandar conserta-lo?
- É preciso chamar o borracheiro na casa dele. A esta hora, a borracharia já está fechada.
- O senhor me indica como encontrá-lo?
- Se quiser, posso te acompanhar até lá.
- Se o senhor puder, lhe fico muito grata. Podemos ir?
Mateus sentou-se no banco do carona e ela, seguindo a orientação dele, dirigiu até a casa do borracheiro. Ele entrou no carro e dirigiram-se à borracharia.
Enquanto o borracheiro consertava o pneu, Luiza perguntou a Mateus se poderia indicar algum lugar, onde pudesse comer alguma coisa, uma vez que, como ele dissera, era provável que na pousada, não tivessem como fornecer-lhe alimentação naquela hora. Ele recomendou a lanchonete de um posto de gasolina, na estrada, bem próximo da cidade, que na opinião dele era o melhor lugar da redondeza.
- O senhor está sendo muito gentil, perdendo tanto tempo comigo. Se estiver com pressa, só lhe pediria que me indicasse como chegar ao posto de gasolina e como chegar na pousada que depois eu me viro.
- Não tem problema, o que tenho de sobra é tempo. Se você preferir, pode me acompanhar e eu te deixo na pousada, que é no caminho da minha casa.
- Se o senhor puder fazer isso, eu lhe agradeço, pois como não conheço a região, poderia me perder.
- Você não tem medo de confiar assim num estranho?
- Não. Confio muito na minha intuição e ela me diz que o senhor não oferece qualquer perigo. As pessoas vivem muito assustadas, com medo de tudo. Eu tenho plena consciência do perigo, sei que estamos sujeitos a assaltos ou qualquer outro tipo de agressão, no entanto, optei por não me tornar prisioneira do medo, não me deixar dominar por ele. Claro que não me exponho desnecessariamente e tomo os cuidados normais, no entanto, não me deixo dominar pela paranóia do perigo, do medo. A vida já é bastante difícil, não precisamos piorá-la com preocupações excessivas.
- Você parece ser uma mulher muito segura de si, o que é bastante raro, num tempo em que a violência faz parte do cotidiano, principalmente nas grandes cidades. Pela placa de seu carro, você mora em uma metrópole.
- Realmente, moro na capital, onde a segurança virou uma paranóia. As pessoas vivem assustadas com medo de tudo, tornando suas casas verdadeiras prisões, onde passam a maior parte do tempo trancadas, com medo da própria sombra. Esse é um dos motivos de eu estar aqui, agora. Eu tenho conseguido não ser afetada por tudo isso, no entanto, a convivência com quem vive morrendo de medo, me faz muito mal e, de vez em quando, preciso me afastar daquela loucura e buscar lugares traqüilos, onde possa me desligar um pouco de toda essa loucura.
O borracheiro avisou que terminara o serviço. Eles o levaram de volta em casa e Luiza convidou Mateus para acompanha-la até o posto, para tomarem um lanche. Foram, sentaram-se a uma mesa num canto do salão, fizeram o pedido e, enquanto esperavam, continuaram conversando.
- O senhor produz alguma coisa no sítio ou só o usa para laser?
- O sítio não é meu, eu trabalho lá, cuido dele.
- Mas, o senhor não parece ser um trabalhador rural, tem mais jeito de pessoa de cidade grande que usa o sítio como laser, lugar de descanso, coisas assim.
- Passei a maior parte da vida na cidade. Optei por viver no campo e, como não tinha condições de adquirir uma propriedade, o jeito foi trabalhar
- O senhor é aposentado?
- Não.
- O que fazia na cidade?
- Sou engenheiro mecânico e foi nisso que trabalhei boa parte de minha vida.
- E abandonou tudo pra vir morar aqui e trabalhar como trabalhador rural?
- É.
- O senhor não é de falar muito né?
- Normalmente, nunca fui de falar muito. No entanto, dependendo do assunto, falava até demais e percebi que isso incomodava muitas pessoas. Por isso, nos últimos tempos, me restrinjo a falar só o necessário. Prefiro ouvir do que falar. O que você faz?
- Sou arquiteta. Tenho um escritório de arquitetura e faço projetos residenciais.
- É uma mistura de tecnologia e arte, não é? Não acha complicada essa mistura?
- Bastante. Acho que tenho mais talento para a parte artística, de criação, por isso me sirvo de assessores técnicos para resolver a parte científica e tecnológica. No começo da carreira, tentei abraçar tudo, ser artista e técnica ao mesmo tempo. O resultado foi sofrível, não conseguia fazer bem nem uma coisa nem outra. Me casei com um engenheiro e isso possibilitou a separação das duas coisas. Passei a me dedicar à criação e ele ficou com a parte técnica.
A partir daí, consegui desenvolver bem meu talento e comecei a obter sucesso. O casamento não deu certo e não demorou muito pra acabar, no entanto, ele propiciou o caminho do sucesso profissional, tanto dele como meu.
- Você voltou a se casar com outro engenheiro?
- Não. Não me casei mais. O fracasso do primeiro casamento me mostrou que, para uma vida em comum, é preciso muito amor. Mais que isso; é preciso compreensão, companheirismo, amizade, solidariedade e humildade. É muito difícil encontrar isso numa pessoa. Até agora não encontrei ninguém assim, por isso não me casei novamente. E o senhor, está casado?
- Não. Não estou mais. Gostaria de te pedir para não me chamar de senhor. Me soa mal, nunca gostei desse tratamento.
- Eu detesto ser tratada de senhora, também me sinto muito mal com isso. Da mesma maneira, deploro o doutora. Me sinto desvalorizada como pessoa, como ser humano. Esses tratamentos criam barreiras e eu detesto isso. Mas, voltando a falar de casamento; seria indiscreta se perguntasse o que provocou sua separação?
- A última foi provocada pelo mistério.
- Mistério? Como assim?
- Foi uma coisa incompreensível. O que não se consegue compreender, não se atina com as causas, é um mistério.
- Você acha que houve a interferência de algo sobrenatural?
- É provável. É preciso tomar muito cuidado com palavras como: mistério e sobrenatural. A tendência das pessoas é entendê-las como identificadoras de misticismo. Na verdade, a palavra mistério identifica algo que não se consegue explicar, determinar causas, justificar, em fim, constatamos os efeitos mas desconhecemos as causas e o processo que o motivou. A palavra sobrenatural também identifica o que não é natural, contrariando o que conhecemos. Ela é válida se considerarmos o conhecido como natural, nesse caso, o sobrenatural é o desconhecido e o prefixo sobre caracteriza estar acima, portanto, acima do natural, maior que ele.
Ela ficou um instante em silêncio, pensativa e depois disse:
- Você considera a interferência de religiosidade, mitologia ou algum tipo de misticismo?
- Não.
- Não acredita que alguma religião ou seita possa explicar isso que considera um mistério? – Ela questionou dando a impressão de pretender provoca-lo.
- Não. O conhecimento que tenho sobre as religiões, me mostram que todas elas pretendem explicar tudo, no entanto, baseiam-se em dogmas, sem dados que resistam a análise racional, sem justificativas aceitáveis pela inteligência racional. Elas pretendem elucidar os mistérios e o que conseguem é confirmá-los. – Ele demonstrava todo seu ceticismo.
- A história mostra o acontecimento de muitos milagres, de acontecimentos sobrenaturais, em praticamente todas as religiões e elas justificam o acontecido, mostrando o que teria acontecido para que aquilo se realizasse.
- São inúmeros os acontecimentos chamados de milagres ou qualquer nome que se queira dar-lhes. São constatações, muitos deles analisados exaustivamente pela ciência que não conseguiu explicá-los, não pôde compreendê-los. As religiões tentam explicar esses milagres, alegando que uma entidade superior teria agido para possibilitá-lo, seja através de pedidos, de promessas ou vários outros motivos. Dizer que Santa Luzia devolveu a visão a um cego porque ele lhe pediu que o fizesse e se comprometeu a pagar com algum tipo de sacrifício; explica alguma coisa?
- É uma possibilidade. – Disse ela
- Sim. É o máximo que se pode considerar: que seja possível. No entanto, muitas outras coisas também são possibilidades para o resultado. A fé pode agir no psicológico, que agiria no organismo, propiciando curas, principalmente quando o distúrbio foi gerado pelo mesmo processo, isto é, ação do psicológico sobre o organismo. A cura do cego pode Ter sido propiciada por Deus, diretamente, sem a interferência da santa. Em fim, tudo é possível quando não se conhece, com certeza, a verdade. – Considerou Mateus.
- Meu Deus, quanto ceticismo! - Exclamou ela. – Você não sente falta de acreditar em alguma coisa?
- Muito! Chego a Ter inveja de religiosos fanáticos, que não tem dúvidas, cheios de certezas, acreditando que o futuro será ótimo e que as dificuldades presentes se resolverão num passe de mágica.
- Então, por que não procura uma religião que possa te propiciar isso?
- Vivo lendo, conversando com religiosos, mas não consegui, ainda, nenhuma que me parecesse aceitável. Em todas elas os dogmas tem que ser aceitos sem questionamentos. Como não consigo aceitá-los, me é impossível sentir a fé.
- É que você é muito céptico e isso te impossibilita Ter fé. Você precisa se desarmar, abrir o coração e aceitar.
- Adoraria conseguir isso, no entanto, não consigo. A história mostra que todos os convertidos foram tocados por algo que lhes possibilitou aderir à fé. Muitos passaram a vida toda na maior descrença, só se convertendo no final. Outros conseguiram isso depois de muitos anos de resistência. Muitos indivíduos do império romano que se converteram ao catolicismo, com verdadeiro fanatismo e fé extremada, perseguiram e mataram muitos cristãos antes de se converter. Portanto, acredito que a crença, a fé, atingem o indivíduo, independente de sua vontade. Ela não depende da vontade e, muito menos, da racionalidade. Fé é sentimento, é emoção, tem que acontecer, não é possível fabricá-la.
- Eu sou católica, por influência da família. Fui batizada, crismada e me casei na igreja. Não sou fanática e nem vou à missa, regularmente. No entanto, sinto algum conforto espiritual em acreditar que a vida não termina aqui na terra. Que existe algo além. Tenho alguns amigos espíritas e, de vez em quando, freqüento as reuniões deles. Eles defendem a reencarnação e não me parece que isso seja um absurdo. Sinto-me bem entre eles, participando do ritual, ouvindo-lhes as conversas, participando delas. Isso me proporciona paz. – Disse ela.
- É bom. Acredito que religião é isso: sentimento, emoção. É pra ser sentida, sem a preocupação de entender, de justificar os seus porquês. É crença, fé, esperança, em fim, emoções.
- Você não acredita em nada?
- Acredito. Tenho certeza que o surgimento do universo se deve a algo extraordinário, de uma capacidade excepcional, ininteligível ao ser humano. É algo que está muito além de nossa capacidade de compreensão, é grande demais, sem comparativo para nós. Tenho conhecimento de acontecimentos totalmente inexplicáveis e que demonstram que existe algo que interfere no mundo e, principalmente, na vida do ser humano. Não tenho dúvidas quanto a isso, reconheço minha insignificância relativa a isso. No entanto, embora tenha me empenhado para aprender e compreender, buscando explicações, não as encontrei, ainda, e não tenho esperança de encontrá-las. Considero que é um grande mistério e reconheço minha incapacidade perante ele. No entanto, reconheço claramente os efeitos, sou testemunha deles, constato a todo instante a manifestação desse mistério. A diferença entre mim e os religiosos, é que eles dizem conhecer o criador, suas intenções, os porquês; enquanto eu reconheço minha total ignorância quanto a isso. Acredito e dou testemunho dos efeitos, mas desconheço totalmente as causas e porquês.
- Já desistiu de tentar entender? – Perguntou ela.
- Não. Estou aberto, sempre, a qualquer novo conhecimento, que possibilite alguma elucidação. Só que não me empenho, não corro atrás de mais dados, porque acho muito difícil que o ser humano tenha capacidade maior que a demonstrada, até aqui, para progredir nessa direção. Considero a capacidade humana muito grande, no entanto, acho que o mistério é muito maior. Acredito que essa incapacidade de entendimento seja intencional, projetada pelo criador.
Ela ficou olhando-o, pensativa, como quem procura algo para dizer. Ele olhou em volta e percebeu que o balconista cochilava, sentado numa cadeira por trás do balcão e a total ausência de movimento, tanto na lanchonete quanto no posto.
- Acho que somos os únicos sobreviventes por aqui. – Ele comentou.
- Nossa! Já é tarde. Nem percebi o tempo passar. Será que haverá alguém na pousada a esta hora? – Ela perguntou.
- O pessoal mora lá. Mas, se você preferir e não se incomodar com a simplicidade, poderá dormir na minha casa, até amanhã.
- Não gostaria de te incomodar mais do que já fiz.
- Não é incômodo nenhum. Tenho camas desocupadas e o mínimo necessário para se viver. Portanto, não há como você me incomodar.
- Sendo assim, eu agradeço e aceito. É chato acordar as pessoas tarde da noite.
Mateus chamou o balconista, pediu a conta, ela a pagou e sairam para o páteo do posto e Mateus disse:
- Vamos passar para pegar meu carro e depois você me segue. – Ela concordou. Ele pegou o carro e partiram em direção à fazenda (que Mateus chamava de sítio), onde chegaram depois de quarenta minutos.
Ele tirou umas roupas que estavam sobre a cama em que ela dormiria. Arrumou-a com lençois limpos, travesseiros asseados e um bom cobertor.
Enquanto ela tomava banho, ele preparou café.
Depois de também tomar banho, Mateus convidou Luiza a tomar o café na sala. Sentaram-se no sofá e ela, depois de sorver um pouco de café, disse:
- A casa é bastante boa e o local é muito agradável. No entanto, acho que não teria coragem de morar aqui sozinha.
- É um lugar tranqüilo e nada indica que se corra algum perigo aqui. Pelo menos, nunca vi ou senti algo que indicasse qualquer tipo de risco.
- Quando você veio para cá, já estava sozinho ou ainda estava casado?
- Estava casado. A separação aconteceu aqui. Ela foi embora e eu fiquei.
- Pela tua expressão, deve Ter sido muito sofrido, não foi?
- Muito! – Ele fez uma pausa. – A sua separação também foi sofrível?
- Não posso considerá-la assim. Claro que é uma mudança e toda mudança causa um certo desconforto, mas foi um epílogo esperado.
- O amor havia acabado? – Perguntou ele
- Na verdade ele nunca existiu. Foi uma paixão que virou amizade e interesse profissional.
- Se você não se importar, gostaria de conhecer essa história.
- Não me importo. Acho até que foi um caso interessante.
Conheci-o num congresso sobre concreto aparente. Ele era um dos palestrantes e me chamou a atenção pela segurança e conhecimento que demonstrou sobre o assunto. No intervalo, enquanto tomávamos café, conversei com ele para obter mais informações sobre o assunto. Conversamos até o reinício das palestras e, ao final, ele me convidou para jantar, onde continuaríamos a conversa.
Durante o jantar começamos conversando sobre concreto aparente e fomos sentindo uma atração mútua. Descobrimos que tínhamos objetivos profissionais muito parecidos.
Encontramo-nos mais algumas vezes e começamos a namorar.
Desde o início começamos a cogitar a possibilidade de trabalharmos junto. Era uma boa associação: ele, um engenheiro competente e eu uma arquiteta com bom potencial, com bastante criatividade. Fomos amadurecendo a idéia e resolvemos tentar a sociedade. Eu já tinha um escritório montado, o que foi uma boa ajuda para o começo.
Ele é judeu e a família é muito bem relacionada nessa comunidade. Isso nos possibilitou uma boa quantidade de clientes e, conseqüentemente, bastante trabalho. A empolgação com o sucesso e a quantidade de trabalho não nos deixava muito tempo para outras coisas.
Numa noite em que havíamos trabalhado até o início da madrugada, fomos a um restaurante jantar. Era um ambiente muito agradável, com música de piano e luz de velas. Conversamos a respeito de como estávamos vivendo, exclusivamente para o trabalho, sem lazer, sem divertimento. Aquele ambiente nos despertou ternura, nos demos as mãos por cima da mesa e ficamos um tempo olhando-nos nos olhos. Ele sugeriu que nos casássemos e eu aceitei.
Eu era católica e ele judeu. Nem ele nem eu éramos religiosos assíduos, no entanto, nossas famílias eram seguidoras das tradições religiosas e procurariam fazer com que nos casássemos em suas religiões. Como éramos pessoas muito práticas, resolvemos que nos casaríamos só no civil, sem maiores cerimônias, evitando o conflito religioso.
No dia seguinte fomos ao cartório e marcamos o casamento. Comunicamos as famílias e os amigos mais chegados, convidando-os para um jantar que ofereceríamos em um restaurante, sem maiores cerimônias. Nossos pais não gostaram muito da idéia, mas concordaram sem maiores problemas, considerando o sucesso profissional que estávamos obtendo.
Após o casamento a vida continuou no mesmo ritmo, muito trabalho e pouco tempo para nosso relacionamento pessoal. O pouco tempo que nos sobrava, era gasto em visitas a familiares e amigos. A maior diversão eram as recepções, na maioria com interesses comerciais.
Nosso maior prazer era o trabalho, a realização profissional. Tivemos que alugar uma casa grande para montar um novo escritório, pois o meu já não comportava o número de funcionários necessários. Mantivemos o meu, onde ficou só a parte de criação, onde eu trabalhava com dois arquitetos e dois estagiários; enquanto ele foi para o novo escritório, onde funcionava toda a parte técnica e administrativa.
A separação do escritório, nos separou um pouco também. No início, o que terminava o trabalho do dia primeiro, passava para esperar o outro e irmos juntos para casa. Com o passar do tempo, deixamos de fazer isso e nos encontrávamos em casa. Muitas vezes, quando o último chegava, o primeiro já estava dormindo.
Era um relacionamento carinhoso e procurávamos nos agradar, da melhor forma possível. No entanto, era um relacionamento morno, sem queimaduras nem congelamentos. Não brigávamos e tudo era resolvido na maior racionalidade.
Depois de dois anos do casamento, resolvemos tirar uma semana de férias entre o natal e o ano novo. Fomos passar uns dias numa estação de águas. Andávamos a cavalo, a pé, íamos ao cinema e passávamos bastante tempo na piscina.
Na última noite, enquanto jantávamos no restaurante do hotel, reparamos um casal, aparentemente em lua de mel, que se olhavam como se admirassem o maior dos tesouros. Era impressionante, davam a impressão de estar num mundo a parte, só deles, se admirando com uma ternura que enchia o salão. Fui eu quem chamou a atenção dele para o casal e comentei que aquilo nunca acontecera entre nós. Ele alegou que aquilo era coisa de pessoas alienadas, que vivem no mundo da lua, desligados da realidade e que o tempo e os problemas se encarregariam de colocar-lhes os pés no chão e verificar as necessidades do cotidiano.
Argumentei que considerava possível a coexistência das duas coisas: a emoção e a racionalidade, propiciando maior aproveitamento da vida. Ele defendeu que a emoção era grande inimiga da racionalidade, que desviava as pessoas da objetividade, gerando grandes problemas. Que o ideal era manter-se no comando, inclusive da emoção, impedindo que ela provocasse os desastres que costuma provocar. Disse Ter conhecido algumas pessoas que, dominadas pela emoção, agiram como quem embarca num foguete espacial, subindo às mais altas alturas. No entanto, o resultado sempre acabara em quedas catastróficas, causando enormes sofrimentos, em fim, um preço muito alto para o benefício desfrutado.
Considerei o nosso relacionamento, onde não tínhamos sofrimentos, mas, também, não nos possibilitava maiores prazeres. Questionei se aquilo seria a melhor maneira de viver ou se valeria a pena correr riscos e sofrer, tendo a oportunidade de maior felicidade. Ele defendeu que não. Que o ideal era um relacionamento como o nosso, calmo, sem problemas, construindo um futuro seguro.
Após o jantar, saímos para andar um pouco, por um parque próximo ao hotel. Andávamos por uma alameda, quando notei um casal junto a uma árvore um pouco afastada. Fixei melhor e observei que era o casal do hotel. Eles se abraçavam e beijavam com tal intensidade que parecia que estavam praticando sexo. Meu marido não viu e nem eu lhe chamei a atenção. Aquilo me deixara excitada, aproveitei que não havia ninguém por perto, segurei-o e abracei-o, beijando-o . Ele correspondeu sem grande entusiasmo e logo nos separamos, voltando para o hotel.
Tomamos banho e, ele alegando cansaço, deitou e logo dormiu. Eu fiquei pensando no casal, na emoção que eles demonstravam sentir e aquilo foi aumentando minha excitação, a tal ponto que precisei me masturbar para conseguir dormir.
Meu marido foi convidado a proferir uma palestra num congresso. Eu não fui, por estar com muito trabalho e porque já conhecia bem o assunto. Ele ficou fora dois dias e, quando voltou, notei que algo mudara nele. Tentei saber o que era mas ele se esquivava, dizia que estava tudo bem, desconversava e mudava de assunto.
A mudança no comportamento dele foi se acentuando e, numa noite, após o jantar, convidei-o a conversar e abordarmos o que estava acontecendo, uma vez que era evidente que alguma coisa havia mudado nele.
Ele tentou evitar, mas como insisti, resolveu contar o que estava acontecendo. Conhecera uma mulher, no congresso e, como havia acontecido quando nos conhecemos, ela abordou-o depois da palestra, demonstrando grande interesse no assunto. Conversaram durante um bom tempo. Ele ficara impressionado pela mulher e não conseguia esquecê-la. Achava que estava apaixonado. Ela já lhe telefonara várias vezes, mas ele estava se negando a atendê-la, temendo não resistir.
Ficamos algum tempo em silêncio, ele evitando me olhar. Considerei o quanto ele deveria estar sofrendo, tentando dominar uma emoção que, ao que tudo indicava, era mais forte que sua capacidade de resistir. De repente, percebi que eu estava com inveja dele, que gostaria de estar em seu lugar, tendo a oportunidade de viver um grande amor.
Disse-lhe que ele poderia estar cometendo um grande erro, desprezando a possibilidade de viver algo muito importante. Que poderia se arrepender pelo resto da vida, sendo atormentado por aquela emoção e pela dúvida.
Ele argumentou que não tinha sentido abandonar um relacionamento estável, com alguém de quem gostava, com quem vivia bem, aventurando-se no que não passava de uma possibilidade, com todos os riscos do desconhecido.
Sugeri que tentasse. Não era preciso romper nosso relacionamento enquanto ele não estivesse seguro de que o outro relacionamento seria melhor. Incentivei-o a tentar.
Ele se mostrou surpreso, no início. Argumentei que preferia isso, a continuar vivendo com ele atormentado. Que, de qualquer maneira, continuaríamos sendo amigos, sócios e continuaríamos nos ajudando no que fosse possível. Que eu ficaria bem, que não se preocupasse comigo, pois acreditava que não sofreria e que, até seria bom, sentir que ele estaria mais feliz.
Ele relutou por mais alguns dias e eu continuei insistindo para que experimentasse. Ele chegou a me perguntar se eu tinha algum relacionamento extra, se essa era a causa da minha insistência para que tentasse o relacionamento com a outra. Declarei que não, que o que me movia a agir assim era a convicção de que ele poderia ser mais feliz e que, continuando a insistir no nosso relacionamento, ele poderia se deteriorar, arruinando o que havia de bom, impedindo que continuássemos amigos e sócios.
Ele acabou se convencendo que deveria tentar, acredito que mais pela força da emoção do que pela convicção de que poderia ser melhor. Combinamos que não falaríamos mais no assunto até que ele chegasse a uma conclusão.
Depois de mais ou menos um mês, ele me comunicou que decidira assumir o relacionamento com a outra e que deveríamos acertar os detalhes da separação.
Acertamos tudo em relação à empresa, onde continuamos sócios, e aos bens, dividindo-os sem qualquer problema. Disse-lhe que, como iríamos continuar amigos e sócios, que gostaria de conhecer a nova mulher para tentar conseguir-lhe a amizade.
Marcamos um jantar e nos reunimos em um restaurante. A mulher é engenheira, muito bonita, inteligente e sensível. Simpatizamos uma com a outra de imediato, por pura empatia. No desenrolar da conversa a simpatia foi se acentuando e fiquei feliz ao notar o quanto se amavam. Ele tentou esconder a emoção, procurando se comportar como fazia comigo, no entanto, o carinho dela o provocava e seus olhos denunciavam a felicidade que sentia.
E foi assim que aconteceu, continuamos amigos e sócios até hoje. A mulher trabalha com a gente e nos damos muito bem.
- É um caso interessante, onde a falta de uma emoção mais forte, propiciou uma separação sem traumas, onde um ganhou muito e o outro não chegou a perder algo significativo. A racionalidade pôde imperar, evitando problemas e possibilitando um convívio salutar e harmonioso. Que bom seria que todos os relacionamentos destinados a terminar, pudessem Ter um desfecho assim. – Comentou Mateus.
- Tenho uma amiga que diz: “O problema de um relacionamento que acaba sem sofrimento, é que o desfrutado não foi suficientemente bom para merecê-lo.”
- Mas, e ai? Você continua virgem no que diz respeito à paixão?
- Não. Me apaixonei uma vez, mas não deu certo. – Disse ela com ar desanimado.
- Por que?
- Tem certeza que quer ouvir mais uma história?
- Tenho.
- Depois do final do relacionamento, continuei me dedicando ao trabalho, como vinha fazendo até ali. Certo dia fui à dentista para fazer uma limpeza que vinha adiando há tempos. A dentista também é divorciada. Após o tratamento, ela comentou que ficara sabendo do meu divórcio e quis saber como eu estava. Disse-lhe que estava bem, trabalhando muito e que, a separação, não alterara quase nada minha vida. Ela disse que passara por maus bocados nos primeiros tempos depois da separação. Que havia conseguido superar essa fase, dançando. Por indicação de uma amiga, fizera um curso de dança de salão e passara a freqüentar bailes. Isso lhe propiciara conhecer várias pessoas, se distrair e Ter prazer dançando. Tanto insistiu que acabou me convencendo a acompanhá-la a um dos bailes para conhecer. Ficamos de marcar o dia.
Na semana seguinte, a dentista me telefonou e marcamos para a próxima Quinta-feira a ida ao baile.
Na Quinta-feira na hora marcada, ela passou para me pegar e fomos para o tal baile.
Era um lugar agradável, com uma pista de dança, um balcão ao fundo e mesas na lateral da pista, num nível mais elevado. Sentadas à mesa, era possível ter uma boa visão da pista e dos casais que dançavam. Havia casais que dançavam muito bem. Era uma coisa bonita de ver, um verdadeiro prazer.
Depois de ela me apresentar vários amigos, ocupamos uma mesa, pedimos uma bebida e ficamos conversando e apreciando os casais dançando.
Numa mesa vizinha, dois homens conversavam e um deles não tirava os olhos da dentista. Algum tempo depois, os dois homens se levantaram, dirigiram-se à nossa mesa e nos convidaram para dançar.
Avisei o meu par que há muito tempo não dançava. Ele disse não se importar, alegando que também não era dançarino. Ele era muito gentil, de aparência agradável e muito carismático. Eu sou muito faladeira e conversamos o tempo todo em que estivemos dançando. Voltamos para a mesa, continuamos conversando e voltamos a dançar várias vezes.
Por volta das três horas da manhã, a dentista me disse que precisava ir embora, pois tinha pacientes marcados para a manhã seguinte.
Nos despedimos dos homens e combinamos nos encontrar na próxima semana para mais uma noite dançante.
No caminho de volta, a dentista me disse não ter gostado do homem que fôra seu par durante a noite, alegando que era muito atrevido. Perguntou sobre o meu. Disse-lhe que era agradável, simpático e carismático. Que gostara muito dele. Ela brincou: “Cuidado para não se apaixonar, a carência pode ser fatal!”
Durante a semana, lembrei-me do homem várias vezes. Procurava identificar o que nele me chamava a atenção, me atraia. Relembrava seu rosto, o sorriso, a voz, a conversa; no entanto, não conseguia identificar qual era o atrativo.
Desde a véspera do dia marcado para voltarmos ao baile, me vi invadida pela ansiedade, desejando que o tempo passasse o mais rápido possível.
No dia, a dentista passou para me pegar e percebeu minha ansiedade. Falou em tom de brincadeira “O que aquele cara tem de tão especial para Ter provocado isso em você?”. Disse que se o amigo dele estivesse lá, faria de tudo para evitá-lo. Havia, até, combinado com um amigo para, caso o homem estivesse lá, tirá-la para dançar e livrá-la da companhia indesejável.
Quando entramos no salão, meu coração batia acelerado como o de uma adolescente que vai encontrar o primeiro namorado. Passei os olhos por tudo e não o vi. Senti uma grande decepção, mas considerei que ainda poderia vir. Ocupamos uma mesa e a dentista pediu que o amigo, com quem conversara para livrá-la do parceiro indesejável, nos fizesse companhia até que eles chegassem.
O tempo foi passando e minha esperança se desvanecendo. Comecei a sentir uma coisa ruim, uma espécie de angústia e como não havia pedido nada para beber, tomei um gole do copo da dentista. Era conhaque, muito forte e tive um ataque de tosse. Enquanto tossia, ao olhar para a porta, vi-o chegar. Tentando controlar a tosse, devo Ter me engasgado e, ao invés de diminuir, a tosse aumentou. Quando ele chegou junto da mesa, eu estava quase sem fôlego e lágrimas corriam pelo meu rosto. A tosse parou e quando olhei para ele, me estendia um lenço, sorrindo.
Ele me levou até o bar e me fez tomar um pouco de água. Do bar, nos dirigimos à pista e começamos a dançar. Perguntou-me o que causara a tosse e lhe contei que tomara um gole de conhaque, imaginando que se tratasse de algo mais fraco. Voltamos para a mesa, ele pediu cerveja e continuamos a conversar.
Ele era geólogo, especializado em mineração e havia trabalhado em vários lugares pelo país. Era divorciado, tinha quarenta e cinco anos e praticava escalada e montanhismo. Além disso, era escritor e tinha dois livros editados, um de poesias e um romance.
O amigo dele não tinha ido e a dentista sentiu grande alívio com isso. Quando ela me disse que precisava ir embora, perguntei a ele se não haveria problema em me dar uma carona, o que me possibilitaria ficar mais um pouco. Ele se prontificou a me levar e a dentista foi embora sozinha.
Eu estava radiante, como uma adolescente. Sugeri a ele que fôssemos para um lugar mais tranqüilo. Ele disse que só se fôssemos para um motel e eu concordei.
Pegamos o carro dele e fomos para um motel nas proximidades. Não consegui esperar que ele tomasse a iniciativa, abracei-o e beijei-o , Não me lembro de Ter sentido tanta felicidade antes.
Ele me deixou na frente do prédio onde moro, me passou seu telefone e fiquei de ligar pra ele durante a semana para combinarmos o próximo encontro.
Liguei para ele na Segunda-feira seguinte e convidei-o para ir a meu apartamento. Ele foi e me levou os livros de sua autoria.
Tomamos vinho, degustamos petiscos, ouvimos música e conversamos. Ele me disse que gostava muito de mim, que eu era bonita, simpática e inteligente; no entanto, ele não conseguia sentir nada mais que amizade. Disse que tentara me amar, mesmo porque sentia necessidade de amar. No entanto, não queria que eu me iludisse, que gostaria continuar sendo meu amigo
Senti como se o prédio tivesse desabado sobre minha cabeça. Procurei me controlar e agradeci sua sinceridade. Na verdade, prefiria que ele tivesse me enganado, tivesse fingido que me amava. Ele me abraçou, me acariciando e ficamos assim por longo tempo.
Nos encontramos mais algumas vezes, sempre no meu apartamento, até que ele foi trabalhar em outro estado e nunca mais nos falamos.
Até hoje, ainda não descobri o que me atraiu tanto nele. Não lhe faltavam atributos para ser admirado. Era inteligente, sensível, simpático, divertido e aventureiro. Porém, sinto que ele tinha algo mais, que o tornava atraente. Minha amiga dentista, acabou me confessando que também se sentira atraída por ele. Era carismático, mas não acredito que, também isso fosse o motivo de tanta atração.
Desfrutei muito pouco essa relação, no entanto, a perda foi bastante sofrível. Me dá arrepios só de pensar o que teria sido perdê-lo depois de um grande período de felicidade.
- Pode ser que ele tivesse te decepcionado, eliminado os motivos de sofrimento quando do rompimento. Ou vocês poderiam passar o resto da vida juntos, evitando o sofrimento pela perda. – Disse o Mateus.
- Tudo é possível, no entanto, pelo pouco convívio que tivemos, pude sentir que aquele era um homem excepcional. Já reli seus livros mais de vinte vezes e eles somam mais atributos aos que pude identificar pessoalmente. Pode Ter sido melhor assim, do que perdê-lo quando tivesse me ligado mais fortemente a ele.
- Estou começando a ficar com sono, e você? – Perguntou Mateus.
- Acho que se eu deitar agora, não devo demorar para dormir. Você não tem ai algum escrito seu para eu ler até chegar o sono?
Ele lhe entregou um manuscrito de poesias, deu-lhe boa noite e foi dormir. Ela ficou lendo até terminar o manuscrito.
Quando ela acordou, pela manhã, o sol já ia alto. Ele já tratara das criações, tirara leite e terminava de arrumar a cozinha.
Ela tomou banho e enquanto tomavam café, ela comentou:
- Adorei as suas poesias. Onde você busca a inspiração para escrevê-las?
- No sofrimento.
- Algumas são bastante críticas.
- São uma crítica às causas do sofrimento.
- Você acha possível uma vida sem sofrimento? – Perguntou ela
- Não. Acredito que há vidas com pouco sofrimento e outras com sofrimento muito grande. Entre esses dois extremos, existe toda uma gama de sofrimento. O mesmo acontece com a felicidade. A vida é uma somatória de períodos felizes, tristes, de apatia.
- Percebo nas suas poesias que existe alguma relação entre felicidade e sofrimento, mas não atino como isso acontece. É verdade?
- Como tudo na vida, esses sentimentos são relativos. Um serve de parâmetro para o outro e para si mesmo.
- Como assim? – Perguntou ela.
- Felicidades muito grandes, costumam gerar sofrimentos enormes. Veja o caso do seu casamento: Não havia amor apaixonado, portanto, a felicidade propiciada era moderada. Quando o relacionamento terminou, o sofrimento foi mínimo, se é que existiu. Por outro lado, você experimentou uma felicidade bastante grande quando conheceu o geólogo, o que provocou um sofrimento proporcional ao perdê-lo. O contrário também existe: ao estar vivendo um período infeliz, tendo a oportunidade de desfrutar felicidade, esta será supervalorizada, mesmo que o motivo não seja tão grande.
- Acho que é como o que acontece com a dor e as doenças. Uma dor pode parecer imensa, enquanto não sofrermos uma maior, que mostre que aquela não era tão grande. Tem um primo do meu ex-marido que sofreu um acidente de jet sky. Os médicos diagnosticaram que ele ficaria tetraplégico. Depois de consultar vários especialistas, um se prontificou a realizar uma cirurgia muito arriscada para tentar melhorar a situação. A cirurgia foi feita e após um longo tratamento e muita fisioterapia, ele readquiriu os movimentos da cintura para cima. Ele vive muito mais feliz na sua cadeira de rodas do que muitos que não têm qualquer limitação física. Agradece todos os dias a graça de poder movimentar a metade do corpo.
- É por ai. É uma questão de parâmetros e valores. A maior dor do mundo é a nossa. O maior sofrimento, também. Quando consideramos Ter perdido tudo e conseguimos recuperar alguma coisa, por menor que seja; ficamos mais satisfeitos com essa parte do que com tudo o que tínhamos. Temos a tendência de desvalorizar o que temos, voltando a reconhecer-lhe o valor quando o perdemos. Portanto, o sofrimento é um mecanismo de reavaliação que pode propiciar valorização da felicidade. – Disse o Mateus.
- Isso quer dizer que o sofrimento é necessário. É isso?
- É. Sem ele como parâmetro, a felicidade não será devidamente valorizada. Muita gente teve grandes oportunidades de desfrutar felicidade e não foi feliz, simplesmente porque não tinha parâmetros para reconhecê-la.
Ficaram em silêncio por um instante, quando ela falou:
- Me ocorreu o caso da energia elétrica. Quando chegamos em casa, acionamos o interruptor e a luz acende, abrimos o chuveiro e a água cai na temperatura desejada, a geladeira nos fornece a cerveja bem gelada, etc., nem nos lembramos que é a energia elétrica que está possibilitando tudo aquilo. No entanto, quando a luz não acende, a água do chuveiro não esquenta e a geladeira não funciona; maldizemos a falta da energia e sofremos com isso.
- É um exemplo que caracteriza bem o que é a valorização através de parâmetros.
Mais um período de silêncio se sucedeu enquanto eles refletiam sobre a questão. Ela rompeu o silêncio perguntando a ele:
- Posso te fazer três pedidos?
- Faça-os.
- O primeiro, é que , ao invés de ir para a pousada, eu gostaria de ficar hospedada aqui. Claro, que desde que você aceitasse receber as diárias e que minha presença não lhe causasse qualquer incômodo. O que me diz?
- Sem problema. Não há necessidade de pagamamento, basta que você compre o que desejar consumir e que eu não tenha aqui.
- Ficando na pousada, eu teria que pagar pela estadia e pelo consumo. Aqui, além disso, estou tendo o desfrute de uma terapia. Portanto, pagando o que pagaria na pousada, estarei fazendo um grande negócio. – Ela disse isso mostrando um grande sorriso.
- Tudo bem. Qual o próximo pedido?
- Esse é mais delicado e gostaria que se sentisse a vontade para negá-lo, caso te seja difícil atendê-lo. Gostaria de conhecer a história desse seu último relacionamento, principalmente as causas que provocaram seu final. Sinto que essa perda foi muito sofrida pra você e imagino quanta felicidade ele deve ter te proporcionado enquanto durou.
- Não vejo problema em satisfazer tua curiosidade.
- Bem, por último, gostaria de ler as outras coisas que você tem escrito.
- Também não há nenhum problema quanto a isso. Inclusive, isso me poupará ter que falar muito sobre o relacionamento que você quer conhecer. Ele está descrito, com detalhes nos manuscritos. Portanto, acho melhor você começar com a leitura e perguntar sobre possíveis dúvidas ou melhores esclarecimentos.
- Ótimo! Bem, tem mais uma coisa. Gostaria que você me dissesse no que eu poderia ajudar, em relação aos trabalhos de casa. Não sou o que se pode classificar de uma boa doméstica, mas algumas coisas posso fazer. Portanto, permita-me ajudar no que for possível.
- Tudo bem. Por hora, dedique-se à leitura, quando for preciso te convoco para ajudar. Eu vou dar uma volta para verificar o gado e volto logo.
Ele arriou o cavalo e saiu, enquanto ela colocou uma cadeira espreguiçadeira no gramado e se dedicou a ler os manuscritos dele.
Ela estava tão absorvida na leitura que não percebeu quando ele voltou. Ele foi direto para a cozinha, cozinhou arroz, fritou linguiça e fez uma salada de folhas. Quando o almoço ficou pronto ele foi chamá-la.
- Que tal uma refeição para marcar a passagem da manhã para a tarde? – Ela teve um sobressalto, riu e respondeu:
- Não te vi chegar. Posso te ajudar a preparar o almoço?
- Já preparei. Não tinha opções, fiz o que deu: arroz, linguiça frita e salada de folhas; se quiser posso fritar ovos.
- Não precisa, o que você preparou está ótimo.
Enquanto almoçavam ela confessou estar admirada do estilo em que a história que estava lendo fora escrita. Disse Ter ficado impressionada com a mistura de emoção, poesia e racionalidade. Quando quis fazer comentários sobre a história, ele a impediu, recomendando que lesse tudo primeiro para depois conversarem a respeito.
Após o almoço ele foi tirar um cochilo. Ela lavou a louça, arrumou a cozinha e voltou à leitura.
Ao acordar ele notou que ela ainda continuava entretida na leitura. Pegou a enxada e foi cuidar da horta. Quando voltou, ela estava fazendo café na cozinha.
- Cansou de ler? – Perguntou a ela
- Não. Terminei de ler o livro do relacionamento e, como tivesse acabado o café, resolvi passar um novo.
- O que achou?
- Dificilmente alguém acreditará que esse livro retrata uma realidade. Considerarão que é uma ficção escrita por alguém muito criativo, com uma fértil imaginação. Alguns considerarão que é um livro espiritual.
- Se ele for publicado, o será como ficção. Inclusive com aqueles dizeres: “Qualquer semelhança com a realidade, terá sido mera coincidência”.
- É realmente difícil acreditar que essa menina tenha feito isso. O Ter ido embora, obedecendo a um impulso, achando-se insatisfeita e acreditando que conseguiria algo melhor; é razoável. Aceitar ir morar com um ex-namorado, que lhe causara tantos problemas, é burrice. Tanto é que esse relacionamento terminou antes de três meses. Desprezar a amizade que você lhe ofereceu, é absurdo. Isso, sem considerar a incoerência de se relacionar com tanta intensidade com gente que ela sabia muito limitada, que conhecia há muito tempo e com quem nunca tivera maior interesse em se relacionar. Se a causa de tudo isso não for sobrenatural, será uma burrice incomensurável! Agora, depois de algum tempo, qual a sua avaliação? – Ela perguntou.
- Pra mim, continua sendo um mistério. Foi uma mudança de personalidade, total inversão de valores. Passou de alguém admirável a merecedora de desprezo. Passou de humilde, solidária e corajosa; para egoista, prepotente e covarde. Abandonou a inteligência para se deixar dominar por uma burrice extremada. Tudo o que está fazendo agora, poderia Ter feito enquanto estava comigo. Tinha total liberdade para isso. Se não fez, foi por que não quis. Os amigos que ela está freqüentando agora, eram amigos meus e ela não fez nenhuma questão de se aproximar deles. Portanto, a única coisa clara nessa história, é que eu me tornei insuportável para ela. Como eu não mudei, continuo sendo o mesmo; a mudança aconteceu nela. Ela concordava comigo em praticamente tudo. Passou a agir contrariando o que sempre defendi e com o que ela concordava. A inversão de valores, inverteu o conceito que ela tinha de mim. Deixou de me admirar e passou a me considerar pernicioso.
- Quem não considerar todos os dados, considerará que ela tem razão e que a sua argumentação é fantasiosa e causada pelo despeito de Ter sido abandonado. Acho que você analisou a questão por todos os ângulos possíveis. Eu, pelo menos, não consigo perceber qualquer outro ângulo, além dos que você já abordou. Também não consigo encontrar qualquer explicação razoável para a mudança sofrida por ela. Isso me faz admitir que é, realmente, um mistério. E, se o mistério não a ajudar, ela pode Ter arruinado o resto da sua vida.
- É uma pena – lamentou Mateus - . Além de Ter perdido um grande amor, lamento terrivelmente a perda de uma pessoa admirável, excepcional, ao mesmo tempo que o grupo dos medíocres teve mais um elemento adicionado.
- Ah! Ia esquecendo de comentar uma coisa que me pareceu importante: não acredito que o motivo tenha sido o fim do amor dela por você. Nunca ouvi falar que um amor terminasse sem um motivo bastante forte. O mais forte, me parece, ser o surgimento de um novo amor. Está claro que não foi isso que aconteceu neste caso.
- É difícil acreditar que um amor termine assim, sem motivos significativos.
- Sabe o que estou pensando? – Perguntou ela, depois de um período de silêncio.
- Nem desconfio.
- Quantas mulheres sonham em conseguir o que ela desprezou. – Disse ela
- Ela exerceu seu direito de opção. Fiz o que me foi possível para tentar recuperá-la mas não tive sucesso. Agora, só me resta conformar-me. – Ele falou demonstrando grande tristeza.
- Que será que o mistério nos reserva para o futuro? Ela perguntou como se o fizesse a si mesma.
- Bem, vamos falar de coisas práticas. Como você vai ficar aqui, teremos que providenciar algumas coisas para a dispensa. O melhor é darmos um pulo na cidade, que tem mais opções do que a venda aqui do bairro.
Foram no carro dela. Quando iam pela estrada de terra, viram uma senhora que caminhava na mesma direção que eles. Mateus, que estava dirigindo, parou e perguntou se a senhora queria carona. Ela aceitou, agradecendo muito. Mateus fez as apresentações:
- Luiza, esta é dona Dita, que mora num sítio vizinho. Dona Dita, esta é a Luiza, uma amiga minha.
- Muito prazer dona Dita.
- O prazer é meu de conhecer uma moça tão bonita!
- A senhora vai pra cidade dona Dita? – Perguntou Mateus.
- Não, vou até no bairro de Santa Adélia. Hoje é a missa de ano pela alma daquele homem que estrupou a filha e apareceu morto.
- Nossa, que barbaridade! – Exclamou a Luiza. – Pensei que por aqui não acontecesse esse tipo de violência.
- Foi uma coisa muito triste e muito esquisita também. – Disse dona Dita. Que incentivada por Luiza, relatou o acontecido – O homem chegou em casa, depois do serviço e encontrou a filha mais nova, de três anos, sozinha. A mãe e os outros filhos tinham ido no mato buscar lenha. Quando voltavam, ouviram gritos da menininha e correram para ver o que estava acontecendo. Quando eles entraram em casa, o homem pulou pela janela, mas a mulher viu que se tratava do marido. Desesperada, pegou a menina no colo, juntou os outros filhos e sairam em direção da cidade. A casa ficava num lugar muito distante, sem nenhum vizinho próximo. A mulher caminhou com os filhos por mais de duas horas, até chegar na casa de um conhecido, seu Bernardo, um senhor já bem de idade, que mora só com a mulher. Seu Bernardo tem um carro velho e, junto com a mulher, foram levar a mãe e as crianças até a cidade, para levar a menina ao hospital e dar queixa da agressão do marido. Como já fosse noite e a delegacia estivesse fechada, foram procurar o delegado em sua casa. Ele convocou um sargento e um soldado e partiram para tentar capturar o estuprador. A mulher e os filhos foram com seu Bernardo para a casa dele, onde esperariam notícias, prometidas pelo delegado. A menina ficou internada no hospital.
Os policiais pararam a viatura longe da casa e caminharam silenciosamente até ela. Ao avistar a casa, perceberam que o homem poderia estar lá, pois havia uma luz tênue no interior da casa. Enquanto o delegado e o soldado se posicionaram para impedir a fuga, caso o homem estivesse lá e a tentasse; o sargento se dirigiu cautelosamente para a porta da cozinha, que estava entreaberta.
Ao olhar pela fresta da porta, o sargento viu dois pés de um corpo que estaria deitado no chão. Esperou um pouco, com a respiração presa e, percebendo que não havia ruído ou movimento, empurrou a porta e verificou que um homem estava deitado de costas com a garganta toda ensangüentada e uma poça de sangue ao lado. O sargento chamou o delegado e o soldado e, com o auxílio das lanternas que levavam, examinaram o corpo e o único ferimento que encontraram foi aquele na garganta.
Sairam para examinar o entorno da casa, quando o soldado deparou com um cachorro deitado sob o tanque de lavar roupas. Quando o facho da lanterna iluminou o focinho do cachorro, percebeu que estava manchado de sangue.
A perícia constatou que a morte fôra causada por uma única mordida do cachorro, que perfurara a jugular do homem.
- Nossa! Que coisa estranha! – Exclamou Luiza. – O cachorro era da família?
- Era. – Respondeu a dona Dita. – A mulher e os filhos, disseram que o cachorro gostava muito da menina.
- E a senhora ainda vai rezar pela alma de um monstro desses? – Perguntou a Luiza, demonstrando revolta.
- É filha. O homem já recebeu o castigo que merecia. A gente vai rezar para que ele não volte pra atormentar e assombrar a gente.
- Muita gente da região, diz ouvir uivos de cachorro durante a noite e gemidos de gente. – Comentou Mateus.
Deixaram dona Dita na frente da igrejinha do bairro Santa Adélia e seguiram em direção da cidade.
- Será que isso aconteceu assim mesmo? – Questionou a Luiza
- Bom, pelo menos é o que a polícia registrou. O povo da roça é cheio de crendices, acreditam em fantasmas e assombrações e vivem contando estórias mirabolantes. No entanto, esse é um caso recente, com ocorrência registrada na delegacia; portanto, não há porque duvidar da veracidade.
- Mas que parece mais estória de folclore do que realidade, parece.
- É verdade. É um caso muito estranho. Embora a explicação do que aconteceu seja evidente, o que poderia Ter levado o cachorro a matar o homem é um mistério, principalmente porque só houve uma mordida e não havia sinais de luta. O normal seria que o homem tivesse lutado contra o ataque do cachorro e que, depois de ferido, tivesse se movimentado, arrastando-se para tentar sair, em fim, procurando socorro. No entanto, tudo indica que foi como se o homem estivesse inconsciente e continuou assim, mesmo depois da mordida, sem o mínimo movimento.
- A polícia chegou a considerar várias hipóteses: que ele estivesse embriagado, teria caido, batido a cabeça no chão e perdido a consciência e que o cachorro, ao encontrá-lo caído, lhe mordera a garganta. Outra hipótese aventada, foi a de que ele tivesse, por remorso, tentado se matar, ingerindo algum tipo de veneno. Tudo isso foi desmentido pela perícia.
- É...é como diz o ditado espanhol: “Yo no creo em bruxas, pero que las ai, ai!” (eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem!) – Disse a Luzia.
- É mais um mistério para engrossar o número da infinidade dos já acontecidos e nunca explicados. – Disse o Mateus.
- O que levará um adulto a querer praticar sexo com uma criança? Imaginar um homem adulto estuprando uma criancinha já me parece animalesco; Porém, considerar que um pai possa fazer isso com uma filha, é demais! – Luiza se mostrava horrorizada.
- Só pode ser uma espécie de doença, um distúrbio mental ou coisa parecida. Não é admissível que uma pessoa normal, possa fazer algo assim.
- Não poderia ser uma espécie de tara?
- Sei lá. Pode ser. No entanto não consigo admitir que não seja uma verdadeira doença, total deformação do indivíduo. Sentir-se atraído sexualmente por uma criança, pode ser possível, não me atrevo a considerar que seja impossível. No entanto, atrever-se a cometer uma violenta agressão, não pode ser considerado normal.
- Você tem, ou já teve, alguma tara? – Perguntou ela.
- Não, se considerarmos que tara signifique excitação exagerada, por algum motivo. Quando adolescente, eu tinha um amigo que, ao passar por um varal onde houvesse calcinhas estendidas, a simples visão delas o fazia ejacular.
- Mas tem alguma coisa em especial que te excite?
- O que mais me excita sexualmente é o amor. Ele te leva à excitação através de beijos e carícias, aumentando-a até atingir o orgasmo. Pra mim, o sexo é um componente do amor.
- Você nunca praticou sexo com uma mulher que não amasse? – Perguntou ela.
- Já.
- E nesse caso, o que te excitava?
- Pra mim, a maior e melhor excitação é propiciada pelo amor. No entanto, a visão e o tato são dois sentidos que propiciam excitação. Bunda, seios, pernas e boca, bonitas, são uma visão agradável e bastante excitante. Poder ver o que não deveria estar a mostra, é bastante excitante.
- Como assim?
- Ver um pedaço de coxa que só aparece porque a dona se descuidou, mostrando o que não tinha a intenção de fazer. Apreciar um pedaço de seio, pelo mesmo motivo. É a sensação do proibido. Observar top less na praia ou ver uma bonita bunda de fio dental; não são tão excitantes como ver-lhes um pedaço quando a intenção não era mostrá-los. Entendeu? E você, o que te excita? – Ele perguntou
- Carinho. Carícias e beijos. Visualmente, o que me chama a atenção num homem é o peito e a bunda, embora não seja excitante; é gostoso de ver. Aquele homem que conheci no baile, me excitava profundamente, só de estar perto dele, conversando, olhando para ele. Não sei dizer especificamente o que me excitava. Era o todo. Pra você Ter uma idéia, na noite que fomos para o motel, ele colocou a mão sobre minha coxa, por cima da roupa e eu gozei um gozo suave e muito gostoso. Na relação, senti a maior excitação, como nunca havia sentido. Foi incrível!
- Pelo que você está dizendo, teu maior excitante, também, é a emoção, como acontece comigo. Esqueci de falar sobre a fantasia, a imaginação. Me excita muito imaginar, fantasiar. Em fim, a parte do meu corpo que mais me provoca excitação, é a cabeça.
- Que tipo de fantasia você costuma imaginar, que te excita? – Perguntou ela.
- O bom da fantasia imaginada é que tudo é possível. Só tem prós, não tem contras. – Ele respondeu
- Mas o que você costuma imaginar? Ou é segredo?
- Não é segredo é que pode ser chocante, dependendo da interpretação de quem ouça.
- Prometo que não vou ficar chocada. Já li muitos livros e revistas de sacanagem e vi muitos filmes pronográficos. – Ela disse rindo, mostrando grande curiosidade em saber o que ele costumava fantasiar.
- Bom, se você é chegada em literatura e filmes pornográficos, minhas fantasias não chegam a tanto. Começo imaginando a mulher dizendo que está apaixonada por mim, que eu sou o melhor homem que ela já conheceu e que adora ser amada por mim. Ela vem chegando pra mim, com a boca entreaberta, desejosa de ser beijada e me beija com ternura e paixão. Ela está de saia rodada e blusa. Enquanto nos beijamos, passo as mãos por suas costas, ombros, acaricio o pescoço e as orelhas. A blusa é abotoada na frente. Ergo-a lentamente, a partir das costas, até chegar ao fecho do soutien, abrindo-o. Deslizo a boca para o pescoço dela e beijo-o, descendo para o colo, enquanto desabotôo sua blusa. Beijo seu colo até chegar aos seios, que vou beijando até chegar ao mamilo. Beijo o mamilo, introduzo-o na boca e começo a chupa-lo enquanto ela solta gemidos de prazer. Enquanto chupo um mamilo, massageio o outro seio. Tiro-lhe a blusa e o soutien e, enquanto continuo chupando os seios, as mãos erguem a saia, passando as mãos pelas coxas, acariciando-as até chegar à bunda. Ainda chupando os seios, enquanto uma mão continua acariciando a bunda; a outra desliza para a frente, acariciando a barriga e descendo até a vulva. Introduzo as mão entre as coxas, subindo-a até a vulva, afasto a calcinha com os dedos e massageio-a, fazendo o dedo médio introduzir-se entre os grandes lábios, deslizando-o para cima, lentamente, até chegar ao clitoris, acariciando-o levemente. As mãos sobem até as ancas, introdizundo os polegares na calcinha, puxando-a para baixo, enquanto ela continua a gemer, me chamando de seu amor e dizendo que está a ponto de desmaiar de tesão. – Nesse ponto, chegaram à cidade e ele estacionou o carro próximo do supermercado. Ela disse:
- Vamos fazer logo as compras, que estou morrendo de curiosidade para ouvir o resto. – Ela disse com um sorriso.
Ele pediu-lhe que ela comprasse o que quisesse, pra ela, pois para ele, tinha o suficiente em casa.
Depois das compras, enquanto as acomodavam no carro, ele comentou, sorrindo:
- Pelo volume da compra, você pretende ficar bastante tempo.
- Já se encheu de mim?
- Não, muito pelo contrário, estou adorando Ter companhia, depois de tanto tempo sozinho. É que com o que você comprou, eu passaria uns dois meses sem Ter que comprar mais nada.
- Não é tanta coisa. É que fui me lembrando de alguns pratos que consigo preparar e eles exigem vários ingredientes. O resto é verdura, carne, frutas e bebidas.
- Que ótimo! – Ele exclamou mostrando felicidade. – Além da companhia, ainda vou Ter cozinheira e boa bebida. Acho que minha maré de sorte está chegando.
Ela ligou para seu escritório, perguntando se estava tudo bem e, como lhe dissessem que não havia problemas; ela avisou que demoraria alguns dias. Que, como onde estava hospedada não havia sinal para o celular, só voltaria a ligar quando chegasse a algum lugar onde houvesse sinal. Perguntou a ele se teria algum telefone para receber recados. Ele forneceu-lhe o telefone da venda. Ela repassou-o a quem falava, dizendo que se houvesse algum problema, que deixassem recado naquele telefone para o Mateus. Desligou e tomaram o caminho de volta.
Quando saíram da cidade e entraram na estradinha de terra, como ele continuasse calado, ela provocou:
- Continua.
- Onde parei? – Ele perguntou
- Você estava puxando a calcinha para baixo, enquanto ela te chamava de seu amor e dizia estar morrendo de tesão.
- Enquanto a calcinha vai sendo abaixada, eu vou me abaixando também, com uma das mãos levantando a saia na parte da frente, beijando o abdmem, a barriga, até chegar ao púbis, onde os labios encontram os pelos. Ela baixa as mãos e com os dedos, puxa os lábios da vulva, abrindo-a, Meus lábios deslizam por seus dedos, beijando-os até que tocam o interior dos grandes lábios. A lingua os percorre em movimentos lentos para baixo e para cima, lambendo o clitoris e voltando a descer. Ela põe as mãos na minha cabeça, sobre as orelhas e, suavemente, me faz levantar. Enquanto me beija, suspende minha camiseta até o pescoço, afasta a cabeça para tirá-la, me beija o queixo e vai descendo a boca pelo pescoço, peito, abdomem, abaixa minha calça e cueca e segue beijando a barriga até chegar ao púbis, onde se detém um pouco passando os lábios pelos pelos, enquanto uma das mãos puxa o pênis de encontro a seu rosto, roçando-o levemente. Lentamente ela faz os lábios deslizarem pelo pênis, beijando-o até chegar à ponta, quando beija a cabeça e o introduz na boca, chupando-o, lentamente e acelerando aos poucos. Ela tira a boca e passa a acaricia-lo com as mãos, olhando-o enquanto passa a língua pelos lábios. Eu termino de tirar a calça e a cueca com os pés, me abaixo, deito de costas e puxo seu quadril para minha cabeça. Ela abre as pernas, posicionando a vulva na direção da minha boca, enquanto sua boca procura meu pênis, beijando-o e recomeçando a chupá-lo. Eu , com as mãos por tras da bunda dela, abro os grandes lábios da vulva, passando a lingua por seu interior em movimentos lentos, chegando ao clitoris e voltando até o anus, repetindo o movimento até que me detenho no clitoris, lambendo-o e depois chupando-o, enquanto ela continua chupando o pênis, soltando gemidos abafados. - Ele fez uma pausa e ela instigou-o:
- Continua.
- Saio de baixo dela e me posiciono sobre suas costas, abrindo suas nádegas e introduzindo-a pela vagina em movimentos cadenciados e lentos até ela chegar ao orgasmo. Ela relaxa um pouco, eu beijo seu pescoço e costas até que ela me pede para penetrá-la por tras. Ela apoiando a cabeça, coloca os braços para tras e, com as mãos, abre as nádegas, levantando um pouco a bunda. Introduzo o pênis no seu anus, lentamente, enquanto ela rebola a bunda até a penetração total. Ela geme e eu pergunto se está doendo. Ela diz que doe um pouco. Pergunto que se quer que eu tire e ela diz que não, recomeçando a movimentar a bunda. Passo a movimentar o pênis para fora e para dentro, em movimentos curtos e lentos, enquanto ela continua meneando a bunda. – Ele fez uma pausa e ela pediu, demonstrando ansiedade:
- Continua!
- Ela ergue a bunda, ajoelhando-se e continuamos os movimentos. Os gemidos dela aumentam de freqüência e intensidade, ela levanta mais a bunda, esticando as pernas, deixando o corpo inclinado para a frente, põe os braços para trás, põe as mãos na minha bunda e me puxa contra ela, como pretendendo que eu entre inteiro no seu anus; passa as mãos para suas nádegas e puxa-as para os lados, abrindo-as ao máximo enquanto me pede que acelere os movimentos e entre o mais fundo possível, forçando a bunda contra mim, movimentando-a freneticamente até alcançar o orgasmo, gritando, me chamando de amor, tarado, filho da puta e coisas do tipo. Ao final do orgasmo, ainda dentro dela, ela ergue o tronco, coloca os braços pra trás e me segura pela cintura, enquanto vira a cabeça e me beija suave e demoradamente. Saio de dentro dela, ela se vira de frente para mim e continuamos nos beijando. Ela pega meu pênis, acaricia-o e o introduz entre suas coxas, esfregando-o suavemente na vulva. Solta-se e se ajoelha na beirada da cama, com as pernas entreabertas, a bunda para o alto e a cabeça encostada no colchão. Coloca os braços para trás, põe as mãos nas nádegas, abrindo-as e me pedindo para penetrá-la na frente. Fico um tempo admirando aquela bunda, a vulva aparecendo aberta e molhada entre as coxas, o anus e seu rosto ao fundo, visto por entre as coxas. Me aproximo dela, que pega meu pênis com uma das mãos, enquanto a outra continua forçando a abertura das nádegas, e o introduz na sua vagina. Penetro-a lentamente, enquanto minhas mãos seguram seus quadris. Movimento o pênis para dentro e para fora, esfrego a cabeça nos lábios molhados e volto a introduzi-lo, continuando a movimentá-lo enquanto olho sua bunda, costas e a movimentação do pênis até sentir que não consigo resistir mais ao orgasmo, aviso-a e ela pede que a inunde, que a encha com meu amor líquido e quente. Durante o orgasmo eu grito, chamo-a de meu amor, puta, biscate, tesão; enquanto ela também grita e me pede que continue que ela também está gozando. Ela relaxa o corpo, deixando-o apoiar-se totalmente no colchão, beijo-lhe o pescoço, as costas, a bunda e as pernas, até chegar aos pés. Deito-me ao lado dela, ela se vira pra mim, nos abraçamos e nos beijamos, num beijo suave e quente. Permanecemos algum tempo olhando-nos nos olhos, acariciando nossos corpos. Rolamos para o lado, encostando as costas no colchão, com as laterais dos corpos se tocando e curtimos o relaxamento total, sentindo-nos nas nuvens.
Ele olhou pra ela e viu que ela o encarava como que hipnotizada. Ficaram algum tempo em silêncio. Ela voltou a quebrar o silêncio, perguntando:
- Você imagina sempre a mesma fantasia com a mesma mulher, ou costuma variar?
- O bom da imaginação é que ela é ilimitada, pode-se usar e abusar, variar até o infinito.
- Então conta mais alguma coisa, algum exemplo de variação. – Pediu ela
- Agora é sua vez. Ou você não tem fantasias? – Perguntou ele.
- Tenho e prometo te contá-las, mas, primeiro, você conta alguma variação da sua.
- Bem. Vou contar uma e, depois, é sua vez.
- Tá bom. – Concordou ela
- A mulher vestida de saia larga e blusa, sentada no sofá e eu numa cadeira a sua frente a uma distância que posso vê-la inteira, conseguindo observar os mínimos detalhes. Ela começa a passar as mãos nas coxas, acariciando-as, erguendo-as até que os pés se apoiam sobre o sofá, o mais afastados possível. Ela leva a bunda para a frente e reclina o corpo para trás, encostando a nuca no encosto. Com as pernas na máxima abertura, puxa a calcinha para o lado, com os dedos de uma mão, enquanto os dedos da outra massageiam sua vulva lentamente, abindo os grandes lábios, passando o dedo por dentro deles, em movimentos de vai e vem, de cima para baixo e de baixo para cima. A humidade vai aumentando, molhando os dedos que ela começa a enfiar na vagina, movimentando-os em vai e vem até chegar ao orgasmo, quando ela retira os dedos, mantém os lábios abertos, massageando o clitoris, permitindo que eu veja seu orgasmo escorrer numa ejaculação abundante. – Ele olhou pra ela e disse: - Agora é sua vez.
- Coitadas das minhas fantasias. Perto das suas, elas não passam de grosserias. As tuas são sensuais, suaves e muito excitantes.
- Você julgou as minhas. Agora, eu quero julgar as suas. – Disse ele.
- O homem me diz que estou linda e desejável, me abraça, me beija e começa a me acariciar, enquanto se esfrega em mim. Tira minha roupa e eu tiro a dele. Ele me deita na cama, de costas, me abre as pernas, acaricia minha vulva e começa a lambê-la, fazendo a lingua penetrar na vagina em vai e vem. Desliza a boca até o clitoris, lambe-o, chupa-o e o mordisca. Eu empurro sua cabeça, faço-o deitar, acaricio seu pênis, beijo-o e o introduzo na boca, chupando-o Quando ele estiver chegando ao orgasmo, peço que fique de pé junto a cama, sento-me na beirada e peço que ele se masturbe para ejacular sobre meus seios e rosto. Depois do orgasmo dele, esfrego seu esperma com as mãos massageando meus seios, rosto e chupando os dedos lambuzados. Peço que ele se deite e passo a beijar-lhe o corpo e massageá-lo até que comece a ficar excitado novamente. Introduzo o pênis na minha boca e chupo-o até que ele cresça o máximo dentro da minha boca. Deposito saliva no cabeça do pênis, deito de bruços e peço que ele me penetre por trás enquanto eu massageio meu clitoris, até o orgasmo. Peço que ele se deite de costas, abro as pernas sobre ele e introduzo seu pênis na minha vagina, movimentando-me pra cima e pra baixo até o orgasmo. Deito-me de costas, abro as pernas e peço que me penetre até quase chegar ao orgasmo, quando peço que volte a se masturbar, ejaculando em cima de mim. Volto a me massagear com o esperma, esfregando-o na vulva e no anus, introduzindo os dedos molhados nos dois lugares. Ele se deita a meu lado e relaxamos.
- A tua fantasia não é tão diferente da minha. – Disse ele.
- Confesso que fui influenciada pela sua. Eu me limitava a fantasiar carinhos, carícias e beijos, passando daí, à pura depravação, imaginando penetrações violentas e doloridas, por pênis enormes provocando dor e orgasmo. Confesso que apelava para a grosseria.
- Quanto das suas fantasias você chegou a realizar?
- - Perguntou ele.
- Acho que nem dez por cento. O máximo chegou a sexo oral, muito de leve. E você? Quanto das suas já realizou?
- Cem por cento, embora isso não tenha sido possível com uma única mulher.
- Por que? – Perguntou ela.
- Porque algumas não conseguem fazer o sexo anal, por causa da dor. Outras tem vergonha de se manipular, há as que não sentem tesão nos seios e assim por diante. Por isso é que é fantasia. Se fosse totalmente realizável, seria realidade e não imaginação.
Chegaram na fazenda quando já anoitecia. Descarregaram as compras e enquanto as arrumavam na despensa ela disse:
- Acho que já nos conhecemos o suficiente para evitar interpretações erradas. Podendo esclarecer qualquer dúvida, impedindo mal entendido. Por isso me atrevo a confessar: Enquanto você descrevia sua fantasia, senti tanta excitação, como só me lembro de Ter sentido com o homem do baile. Foi uma coisa muito intensa!
- Isso mostra que a excitação acontece no cérebro e que pode independer de manipulação de pontos erógenos, penetrações ou qualquer tipo de atividade física.
- Você acha possível um relacionamento entre nós? – Perguntou ela.
- Acho que, a esta altura, ele será inevitável, a não ser que nos oponhamos fortemente a isso. No entanto, o que justificaria recusar-nos, evitar que ele aconteça?
- É o que estou pensando. Somos adultos, maduros, saudáveis, além de boa afinidade intelectual e de valores. Portanto, também não vejo nenhum impedimento, muito pelo contrário, acho que temos muito a ganhar.
- Só precisamos nos precaver contra as ciladas da emoção.
- Como assim? – Perguntou ela.
- Em termos de emoção, tudo é possível. É possível, por exemplo, que um acabe se apaixonando e o outro não. O que se apaixonar, tenderá a ser possessivo e cobrar a recíproca do outro. Um dos dois poderá se apaixonar por outra pessoa e, claro, se dedicará com exclusividade a ela, desistindo deste relacionamento.
- Concordo com você, no entanto, acho que se tiver que ocorrer paixão, será inevitável, mesmo que não avancemos no relacionamento. Se só um se apaixonar, acredito que o outro poderá compreendê-lo, evitar problemas e dedicar-lhe o máximo de carinho possível. Se pintar outra paixão, procuraremos preservar a amizade e tudo o que ela pode propiciar. Você não concorda? – Perguntou ela.
- Concordo. Na verdade, podemos agir no sentido de que o relacionamento seja o melhor possível, valorizar ao máximo as emoções boas e esforçar-se para minimizar as ruins. O resto, depende do mistério e, aí, não temos como interferir. Portanto, devemos aproveitar ao máximo o que for bom, para, se acontecer sofrimento, termos consciência de que valeu a pena.
Ela colocou o último pacote numa prateleira da despensa. Ele encostou-se nela, por trás, e enlaçou-a pela cintura, beijando-lhe a nuca. Ela estremeceu e pediu num sussurro:
- Passa a mão na minha calcinha e veja como está molhada.
Ele obedeceu, levantou-lhe a saia e subiu a mão por entre as coxas entreabertas. Sentiu que estavam molhadas mesmo antes de chegar à calcinha. Massageou levemente a vulva, por cima da calcinha, enquanto a outra mão massageava um dos seios e os lábios deslizavam pela nuca dela. Em pouco tempo sentiu o calor do líquido que vazava através da calcinha. Ela se virou, abraçaram-se, beijaram-se, ficaram um tempo olhando-se nos olhos e se dirigiram ao banheiro para o banho.
Decidiram preparar o jantar a quatro mãos. Spaghett ao molho de carne moida e bifes de alcatra, na chapa.
Enquanto ela preparava o molho, ele abriu uma garrafa de vinho, cortou queijo em cubos, juntou azeitonas, temperou com azeite e orégano e preparou o prato de petiscos.
Ela interrompeu o silêncio:
- Acho que nunca estive tão feliz na vida. Estou me sentindo leve, alegre e cheia de ternura.
- Eu também estou muito feliz. Estou como alguém que, depois de muito tempo preso em uma caverna escura e com pouco ar, sai para a luz, sob céu azul e ar puro e fresco.
Enquanto ele falava, ela parou de mexer o molho na panela e ficou olhando para ele com imensa ternura. Quando ele terminou, ela se aproximou, abraçou-o e murmurou: “muito obrigado.” Permaneceram abraçados até que ele alertou:
- O molho vai queimar.
Ela voltou para o fogão e se dedicou ao preparo do jantar. Ele temperou a carne e preparou-a na chapa.
Conversaram muito pouco durante o jantar. Ao final, ela se dispôs a lavar a louça, mas ele a impediu, dizendo que a lavaria na manhã seguinte. Que deveriam curtir o relaxamento, bebericando os últimos goles do vinho.
Sentaram-se na sala e permaneceram um bom tempo em silêncio, cada um absorto em seus pensamentos. Finalmente, ele perguntou em tom de brincadeira:
- Esses pensamentos são secretos ou podem ser revelados?
Ela sorriu, colocou suas mãos sobre as orelhas dele, puxou sua cabeça e beijou-lhe suavemente os lábios e disse:
- Estava viajando pelo passado, revendo coisas que a memória me mostrava. Lembrei da festa de formatura do segundo grau, da festa do meu décimo quinto aniversário, da formatura da faculdade e da viagem que fiz para a Disney. Foram coisas que propiciaram muita felicidade, mas nem chegam perto do que estou sentindo agora. Naquilo havia euforia, nisto há ternura, paz, alegria doce. Tenho certeza que tudo aquilo foi muito bom, no entanto, tenho a mesma certeza do valor do que estou vivendo agora.
- Por maior que tenha sido uma felicidade passada, dificilmente poderá se sobrepor à vivida no presente. O sofrimento costuma guardar na memória a sua intensidade, no entanto, a felicidade tem a sua intensidade desvanecida pelo tempo. Por isso ela tem que ser curtida ao máximo enquanto está presente. Depois, terá o valor muito diminuído. – Disse ele.
- E você, em que pensava?
- No que vem me dominando nos últimos tempos: Quanto nossa vontade, pensamentos e ações, determinam as conseqüências da nossa vida e quanto acontece independente disso e até contra o que pretendemos?
- É verdade. Veja o meu caso, agora. Estava me sentindo angustiada, sufocada, sem condições de trabalhar. Decidi buscar o campo para tentar encontrar alívio para o que sentia. Não era esta cidade que eu procurava. No entanto, pouco antes do trevo de acesso a ela, um carro me ultrapassou e o motorista acenou indicando algum problema no pneu. Como já tinha visto o trevo, resolvi entrar em busca de uma borracharia. Ao chegar no ponto em que nos encontramos, tive que parar porque o pneu tinha murchado de tudo. Não consegui soltar os parafusos da roda e você foi o primeiro que apareceu. Será que foi pura coincidência?
- Tudo é possível, no entanto, ninguém pode negar que há uma grande probabilidade de que tudo isso faça parte de interesses misteriosos. Eu estava convencido de que algo iria acontecer, provocado pelo mistério. Você deve Ter verificado isso na leitura dos manuscritos. Porém, quando você me pediu ajuda, nem me passou pela cabeça que alí começaria a mudança esperada.
- Sabe do que estou lembrando? – Ela disse rindo. – Da tua expressão quando te abordei e durante a troca do pneu. Você respondia a tudo que eu perguntava, só com monossílabos, dando a impressão de que não estava disposto a conversar, nem a uma nova amizade. Só na lanchonete você começou a se soltar.
- Pois é, veja que me comportei rechaçando a possibilidade de qualquer tipo de relacionamento, embora essa fosse a coisa de que eu mais precisasse.
Ela ficou algum tempo olhando para ele, em silêncio, perguntando depois:
- Temos constatado em nossas conversas a enorme possibilidade de que o mistério tenha grande influência nas nossas vidas. Nesse caso, como fica o conceito de liberdade? – Perguntou ela.
- É...Em princípio não existe liberdade absoluta, ela sempre é relativa. No mínimo, a liberdade de um, termina onde começa a do outro. Quando consideramos a possibilidade de termos o mistério invadindo a determinação do que será nossa vida, implica em admitir que não temos liberdade de optar. Parece que, na busca da liberdade, o que as pessoas conseguem é trocar de opressores.
- Nesse caso, liberdade, só no pensamento? – Perguntou ela.
- Nem aí. Como se pode pensar que o pensamento tem liberdade, se ele vive sendo dominado pela emoção e por pensamentos que não queremos? É pela mente que acontecem as maiores restrições de liberdade: é através dela que os indivíduos se auto-escravizam, através de crenças e preconceitos.
- Qual o conceito que você tem de liberdade? – Perguntou ela
- Pra mim, liberdade é não se sentir oprimido ou coagido.
- Você se considera livre, aqui, vivendo como está, sem ninguém para te dar ordens, sem maiores compromissos de trabalho, podendo ler e escrever quando quiser? – Perguntou ela.
- Acho que nunca tive tanta liberdade, como estou tendo aqui. No entanto, nunca me senti tão prisioneiro como nos últimos tempos. Tenho sido prisioneiro dos pensamentos involuntários, da emoção e do sofrimento, que tem me atormentado dia e noite. Portanto, liberdade é algo muito mais complicado do que costumam considerar.
- Pois eu, garanto que estou vivendo a mais ampla liberdade que já experimentara. Sem preocupação com o trabalho, com qualquer outra pessoa, podendo fazer o que quero e, principalmente, poder falar sem qualquer restrição, abertamente, confiando totalmente em você. – Disse ela.
- Então, aproveite ao máximo e me use em tudo que eu puder atender. Depois, é a volta aos compromissos e às restrições.
Ela encostou a cabeça no ombro dele, segurou sua mão e ficaram em silêncio. Depois de um tempo ela disse:
- Sabe no que eu estava pensando? Nessa relatividade da liberdade a que você se referiu. Há pessoas que se sentem totalmente escravizadas no ambiente de trabalho. Estudantes que julgam o processo educacional verdadeira escravidão. Prisioneiros em celas solitárias em penitenciarias, presos em celas coletivas onde se aprisionam muito mais elementos do que seria sua capacidade. Prisioneiros de guerra em campos de concentração. Prisioneiros submetidos a trabalhos forçados e a torturas. Maridos e esposas submetidos ao ciúmes e perseguição do outro. Doentes presos a camas, precisando de ajuda até para as necessidades mais básicas. Tetraplégicos condenados à falta de movimentos de todo o corpo. Condenados a conviver com o sofrimento emocional, impossibilitado de livrar-se dele. Me ocorreu que cada vítima de cerceamento de liberdade, considera que seu caso é o mais sofrível. Por outro lado, parece que a capacidade do indivíduo de suportar dificuldades é infinita. Por maior que seja o sofrimento, o ser humano consegue forças para suportá-lo.
- É...O maior sofrimento é sempre o nosso. A maior dor é sempre a nossa. No entanto, a força para suportar o sofrimento sempre aparece na medida do necessário e, parece ser ilimitada, crescendo na medida que o sofrimento é maior. Tenho dúvidas se isso pode ser considerada uma vantagem. Essa capacidade de suportar o sofrimento, faz com que o indivíduo sofra por longo tempo, muitas vezes até a morte. Valerá a pena? – Perguntou ele.
- Como você diz: a estrada da vida é uma montanha russa, portanto, depois do sofrimento deve surgir a felicidade. Morrer em baixo, impossibilita retomar a subida quando a oportunidade surgir. Acho que a esperança é que propicia a força para resistir.
- A esperança é mais forte do que nós. – Disse ele.
Abraçaram-se e ficaram em silêncio. As mãos iniciaram movimentos suaves em carícias ternas. Beijos e carícias os levaram a desfrutar o prazer de uma relação, ao mesmo tempo, terna e ardente, exaurindo-os e propiciando um sono nas nuvens, guardados pelos anjos.

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