quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Comunista

COMUNISTA

“Nem o cristianismo nem o comunismo conseguiram convencer a humanidade de que a fraternidade é o melhor caminho para a felicidade. Os homens continuam insistindo no egoísmo como meio de construir a felicidade, acreditando que ela só é possível com o acúmulo de coisas, propiciadas pelo capital.”
O homem, de uns setenta anos, falava com calma, mas com absoluta convicção do que dizia. Seu nome era Nicolau.
Estávamos numa chácara de um amigo comum, onde acontecia um churrasco, para comemorar a tão esperada aposentadoria do anfitrião. Havia bastante gente, entre amigos e parentes.
Nicolau fazia parte de um grupinho de pessoas que conversavam enquanto tomavam cerveja e beliscavam pedaços de churrasco. Quando ele se referiu ao cristianismo e comunismo, um homem comentou que eram coisas totalmente distintas.
Nicolau discordou, alegando que tanto um como o outro, pregaram a igualdade entre os homens e a solidariedade. Que a grande diferença estava no fato de que o cristianismo se baseava na espiritualidade enquanto o comunismo era totalmente materialista. De qualquer maneira, eles serviram para demonstrar a incapacidade do ser humano em ser feliz através da solidariedade. O homem optou pela exploração de seus semelhantes para conseguir emergir, ficar acima dos outros, acreditando que esse seria o objetivo da vida.
Nicolau, desde a juventude, se engajara como membro ativo do partido comunista. Convencido de que o idealismo socialista era a solução para os males da humanidade, dedicou-se a divulgá-la, enfrentando a clandestinidade. Saiu pelo interior, como verdadeiro missionário, visitando famílias rurais, pregando seu idealismo.
O comunismo era ilegal no país e seus membros perseguidos como criminosos. Por isso Nicolau e seus companheiros, agiam na clandestinidade, sabendo dos riscos que corriam. Ele visitava sítios e fazendas, conversando com os moradores, tentando convencê-los de que os ideais socialistas ofereciam a solução para acabar com a exploração, com a desigualdade e com a miséria.
Sabendo dos riscos que corria, tomava todos os cuidados para não ser descoberto e caputrado pela polícia. Por isso, se deslocava constantemente, andando muito e usando os meios de transporte que aparecessem. Viajava de carona e, quando não a conseguia, ia a pé mesmo. Quando sentia segurança, pernoitava com famílias que visitava. Quando desconfiava de algum risco, procurava algum abrigo na mata, para pernoitava.
Nicolau passou toda a juventude dedicado à pregação da ideologia socialista. Tentou convencer milhares de famílias de que deveriam lutar pelo socialismo, para livrar-se da opressão e da miséria. Convocou-os a lutar por si próprios, engajando-se na causa comunista.
Quando ele dizia que o socialismo tornaria todos iguais, dividindo igualitariamente a riqueza existente, todos achavam maravilhoso. No entanto, alegavam mil desculpas para não lutar, para não se comprometer.
Foram anos de sacrifícios, passando todo tipo de necessidade, vivendo escondendo-se, na clandestinidade, longe da família e dos amigos. Acreditava tanto em que o socialismo acabaria vencendo e se estabelecendo como regíme político, que abriu mão de investir em si próprio, na construção de uma carreira, dedicando-se de corpo e alma ao seu idealismo.
A impossibilidade de comunicação com seus companheiros, fez com que ficasse isolado, seguindo sua doutrinação com base nos estudos realizados antes de se atirar na aventura de divulgar o socialismo e conseguir adéptos para a luta que, acreditava, aconteceria. Era um missionário, com objetivo de divulgar a ideologia, preparando as pessoas para que, quando chegasse a hora, outros companheiros organizassem a luta, podendo contar com as pessoas que ele conseguira convencer a participar dela.
Voltou várias vezes aos mesmos locais para reforçar seu trabalho. Fez alguns amigos, verificou a disposição de uns poucos em assumir qualquer sacrifício para conseguir a igualdade pregada pelo socialismo. No entanto, verificou com amargura que, a maioria, embora desejasse os benefícios que ele apregoava, se negava a qualquer participação, demonstrando o egoísmo que passou a acreditar ser inato no se humano.
A convivência com esse povo simples foi lhe revelando características das pessoas e do meio sobre elas. A primeira que lhe chamou a atenção foi a falsidade, a verdadeira hipocrisia dominando as relações dessas pessoas. Como regra geral elas se mostram humildes e solidárias. Confessam ser ignorantes, sem maiores conhecimentos, reconhecendo sua submissão aos que são estudados e aos que conhecem muitos lugares. Ouvem o que lhes dizem com muita atenção, como se estivessem bebendo na fonte da sabedoria.
O tempo foi lhe mostrando que aquele comportamento camuflava grande prepotência e domínio de preconceitos. Eles consideram que sabem o suficiente, que atingiram sua capacidade de aprender. Que maiores conhecimentos são para quem tem maior capacidade. Seu conhecimento se limita a preconceitos, passados de geração em geração. A esses, vão se somando outros que substituem os antigos ou os modificam.
Demonstram estar ouvindo com atenção, entendendo e concordando. No entanto, dificilmente absorvem qualquer coisa que ouviram. Demonstram interesse e admiração, quando tem certeza que tudo o que estão ouvindo é inútil. É como se estivessem ouvindo estórias interessantes ou não.
Não questionam e nem confessam não haver entendido. Isso os poupa de Ter que argumentar, de mostrar o que realmente pensam a respeito do assunto.
Nos primeiros anos, Nicolau acreditava estar conseguindo grande sucesso com seu trabalho. Saia convencido que de que as pessoas com quem conversara haviam entendido a mensagem, concordavam com ela e apoiariam sua implantação. Acreditava que o fato de não se disporem a lutar pela implantação; se devia à tradicional submissão aos opressores e ao sistema. Eram totalmente dependentes deles e temiam não conseguir sobreviver se os enfrentassem. Nicolau estava convencido que era uma questão de tempo; que a doutrinação deveria ser persistente, reforçando nas pessoas a consciência de sua importância, de que qualquer sacrifício seria pequeno quando considerassem os resultados promissores, o bem estar geral, a igualdade entre os homens, a ausência de exploração de uns pelos outros, a harmonia de uma vida solidária, onde os sacrifícios também seriam divididos, diminuindo significativamente o sofrimento. Quando fosse possível organizar a luta para derrubar o atual sistema, todas essas pessoas compreenderiam sua validade e se engajariam ao perceber a possibilidade de sucesso.
Retornando várias vezes a lugares já visitados e conversando com pessoas a quem já expusera e explicara a ideologia, percebia que era como se estivesse falando pela primeira vez sobre aquilo. Com o passar dos anos essa convicção foi se firmando e Nicolau passou a sentir desânimo, verificando que seu trabalho era inócuo.
Ele acreditava que todos os distúrbios do ser humano se deviam à exploração e opressão, que se encarregavam de moldar as pessoas aos objetivos pretendidos. Elas deveriam ser submissas, acreditando que eram inferiores e que era determinação de um Deus, que os colocara nessa condição aqui na terra, para que alcançassem o reino eterno, onde desfrutariam tudo que lhes foi negado aqui. A manutenção da ignorância era a maior arma dos opressores para manter a submissão, a total obediência dos explorados. As religiões davam apoio e justificativas para essa submissão.
No início de sua missão, Nicolau foi orientado por um companheiro, que não deveria forçar um dos princípios do comunismo, que era a negação de Deus. Esse companheiro defendia que a crença religiosa entre os humildes era muito forte e, se afrontada, geraria reações que impediriam a aceitação da idelogia que pretendiam divulgar. Esse companheiro aconselhou-o a enfatizar que o trabalho para as mudanças necessárias, deveria ser feito pelos homens, que Deus lhes dera o livre arbítrio para que lutassem pelo que lhes parecesse mais acertado. Agindo assim, ele estaria atendendo a um dos princípios da ideologia que pregava a necessidade dos homens assumirem a responsabilidade pelas mudanças, uma vez que Deus não o faria, que a crença nele era criação dos exploradores para atingir seus objetivos.
Quando Nicolau deu início a sua pregação, o catolicismo era unânime entre as comunidades que visitava. Com o passar dos anos, ele verificou que as religiões denominadas de evangélicas passaram a Ter uma influência bastante grande entre o povo. Percebeu, também, que essas religiões tornavam as pessoas mais fanáticas, empenhando-se em fazer crer que haviam descoberto o caminho da verdade, admitindo que estiveram enganados todo o tempo em que se devotaram ao catolicismo. Alguns abandonavam o comportamento humilde, de ouvir e não questionar, adotando comportamento agressivo, quando se tratava de defender a nova crença, esforçando-se para atrair novos adéptos. Essa mudança ocasionou maior reação à ideologia defendida por Nicolau. Esses fanáticos acreditavam que Deus providenciaria as mudanças necessárias e que os homens deveriam seguir as diretrizes determinadas por ele, que estavam registradas na bíblia, único livro verdadeiro e merecedor de confiança. Toda ideologia e filosofia que não constasse na bíblia deveria ser renegada, pois certamente seria tentativa do Diabo para desviar o homem de seu caminho que o levaria a Deus.
Nicolau não conseguia entender como aquelas pessoas podiam acreditar com tanto fanatismo em algo que não tinha lógica, baseado em dógmas, que não admitiam questionamentos; enquanto resistiam a aceitar a ideologia que ele pregava, que era racional, mostrava as causas da atual situação e o caminho para corrigir os efeitos danosos. Por que esperar a solução por meio de uma entidade desconhecida, de que não havia qualquer garantia de que existisse, quando os homens poderiam fazer o necessário para corrigir as injustiças e os efeitos danosos? Por que não aceitavam uma ideologia clara, preferindo optar por uma esperança infundada?
As pessoas acreditavam cegamente em dógmas, enquanto se negavam com todas as forças a perceber a lógica clara de uma ideologia que era produto da racionalidade, da análise de dados concretos que demonstravam que o egoísmo de alguns fazia com que explorassem impiedosamente seus semelhantes. Se esse Deus existia, por que permitia que tamanha injustiça acontecesse?
Nicolau começou a perceber como era o relacionamento entre as pessoas. Mais uma vez a falsidade, a hipocrisia se mostrava dominante. A maioria dos casamentos não passava de jogo de interesses. Quando não eram causa de interesses econômicos, era resultado de falta de opção. O casamento era uma instituição indissolúvel, para toda a vida. Grande parte dos casais passava a vida se suportando, aceitando conviver com o inimigo, em nome de interesses, entre os quais estava a promessa da recompensa eterna. A quebra de um sacramento representava o castigo do inferno. Isso era suficiente para que um casal se suportasse, por maiores que fossem os sacrifícios, pela vida toda. A aparência mostrava uma relação estável, sem problemas. No íntimo, a verdade mostrava enormes frustrações, grandes insatisfações, até, verdadeiros ódios.
Os filhos eram educados para seguir os pais, ser iguais a eles, eternizando as distorções.
Os relacionamentos extraconjugais eram muito mais comuns do que se poderia imaginar considerando as aparências. Frustrações amorosas eram muito comuns e, quando o amor resultava em relacionamento, dificilmente este obedecia aos padrões pregados. Alguns resultavam em grandes escândalos.
Nicolau notou também que a homossexualidade era mais comum do que ele poderia imaginar. Em fim, o dito popular que diz que as aparências enganam, se tornava cada vez mais patente.
A liberação sexual chegou ao campo. Jovens, adolescente e, até, crianças grávidas começaram a ser acontecimento corriqueiro. Se os filhos de casamentos já eram problemáticos, os gerados em relações eventuais passaram a mostrar a gravidade da paternidade irresponsável.
Havia solidariedade entre as pessoas, mas Nicolau percebeu que não era uma solidariedade pura. Começou a perceber que era um jogo de interesses. As pessoas ajudavam por saberem que mais dia menos dia poderiam precisar de ajuda também. Ao invés de solidariedade, aquilo se parecia muito mais a investimento.
Nicolau sentiu que havia componentes nas pessoas que ele nunca considerara. Não era só uma questão de racionalidade, preconceitos, emoção e valores. Alguma coisa agia nas pessoas levando-as a agir de maneira ininteligível. Aparentemente, tudo indicava que o principal motivo que provocava o comportamento constatado nas pessoas, era o egoísmo. No entanto, alguns detalhes mostravam que havia algo mais.
A percepção de que havia algo misterioso influenciando o ser humano e que ele não conseguia identificar; levaram-no a questionar tudo, inclusive o trabalho a que se dedicara durante tantos anos. Sentiu-se impossibilitado de continuar e decidiu abandonar a missão.
Depois de longa busca tentando encontrar os velhos companheiros de partido, descobriu o paradeiro daquele que o aconselhara a não afrontar a religiosidade das pessoas. Ele continuava lecionando filosofia, só que, agora, em uma universidade particular ao invés da pública em que lecionava na época que se conheceram. Passara alguns anos no exílio e voltara depois da anistia.
Nicolau contou-lhe sobre suas constatações e as análises que fizera, confessando sua incapacidade para interpretar o que se mostrava como um grande mistério.
Depois de algum tempo em silêncio, o professor confessou que era acometido das mesmas dúvidas. Durante o exílio conhecera muita gente, participara de muitos questionamentos e percebera que os indivíduos são incapazes de verdadeira humildade e solidariedade. Constatara o fracasso da ideologia comunista nos países em que fôra implantada. Pessoas que se submeteram aos maiores sacrifícios na luta para que a ideologia fosse implantada, estabelecendo a igualdade entre os homens, a justa compreensão de direitos e deveres, propiciando que a humildade e a solidariedade governassem; ao chegar ao poder, não tiveram escrúpulos em servir-se dele em benefício próprio, contrariando tudo que haviam pregado e defendido.
O professor demonstrou grande tristeza ao dizer que, além dos idealistas corrompidos, verificou que a maior parte dos homens não aceita a igualdade. O ser humano não se conforma em ser igual a todos, ele almeja ser superior e não se importa se, para isso, não conseguindo subir, tenha que derrubar os outros. Confessou que passara os últimos anos procurando o que poderia motivar isso mas, até agora, não conseguira atinar com o que poderia explicar essa obsessão das pessoas.
O professor contou que, durante o exílio, passara um tempo em Cuba. Ficara impressionado com a felicidade que pôde constatar nas pessoas, vivendo com muito pouco, quase nada mesmo. As pessoas se orgulhavam de viver num país onde havia igualdade, onde o mais alto funcionário do mais alto escalão do governo, levava o mesmo tipo de vida que o operário mais simples. Onde a educação de qualidade era acessível a todos, indistintamente. O mesmo ocorrendo com a assistência à saúde. Eram evidentes as dificuldades, o racionamento, a falta de medicamentos, de transporte e de tantas outras coisas. No entanto, isso não os impedia de cantar, dançar, aproveitar as boas emoções, sabendo que isso é gratuito, que não precisa ser pago com dinheiro. Era evidente a felicidade possível na mais absoluta pobreza. Isso era claro e eles o demonstravam a todo instante.
Por outro lado, ele conheceu outro tipo de pessoas, totalmente inconformadas com aquela pobreza, dispostas a qualquer coisa para conseguir algo mais, não se importando em quem tivessem que pisar para consegui-lo. Essas pessoas eram infelizes, revoltadas, como a maioria daqueles que pretendem sempre mais, inconformados com o que tem, mesmo que já seja muito, muito mais do que tem a maioria.
O professor demonstrava profunda tristeza ao relatar essas constatações. Ele confessava não compreender como as pessoas não pudessem entender que a felicidade não depende de poder aquisitivo. Que não existe limite para a riqueza e que, se ela for considerada necessária para a felicidade, nunca será alcançada, pois o desejo sempre será maior do que a conquista. Ele tinha convicção de que a felicidade independe do capital. Este pode ajudar, mas não pode ser a causa.
Ele disse conhecer grande número de exemplos que demonstravam a influência do dinheiro em franco prejuízo da felicidade. A disputa por dinheiro e poder, destruindo amores, amizades e outras fontes de felicidade.
O professor usou o seu próprio exemplo para demonstrar o mistério que age nas pessoas. Contou que sua ex-mulher fôra uma grande companheira. Ele cursava o primeiro ano da faculdade e ela havia terminado o segundo grau quando se conheceram. Isso aconteceu numa reunião de estudantes no partido comunista.
Foi uma paixão intensa. Além do amor, tinham total compatibilidade de ideais e valores. Assumiram a luta pelo ideal socialista e se dedicaram por inteiro a ela. Sofreram todo tipo de sacrifício: perseguições, esconderijos inóspitos, fome, frio, prisão, etc.. Ela sempre demonstrou uma força e coragem extraordinárias. Era de uma dedicação inigualável, tanto à causa quanto a ele.
Conscientes das dificuldades, optaram por não Ter filhos, podendo dedicar-se por inteiro a seus ideais.
Foram anos de sacrifícios. No entanto, não era tão difícil suportá-los porque tinham um ao outro, apoiando-se, encorajando-se, incentivando-se e, principalmente, amando-se intensamente. Dedicavam-se tanto carinho e amor que as dificuldades pareciam bastante atenuadas.
Durante o exílio, ela continuou a ser uma companheira dedicada e abnegada. Participava de tudo, com o máximo empenho.
Quando voltaram, depois da anistia; passaram por grandes dificuldades para readaptar-se, conseguir emprego, moradia e as condições necessárias para recomeçarem a vida. Tinham constatado que o ideal político e econômico a que tínham dedicado grande parte de suas vidas, se mostrara inviável. Não por ele, mas pela incapacidade do ser humano em assumi-lo.
Quando ele começou a trabalhar, alugaram um apartamento, conseguíram mobilia-lo razoavelmente e ela voltou a estudar, conseguindo um emprego na biblioteca da faculdade; resolveu terminar com nosso relacionamento.
Não havia outro amor em sua vida, nem mesmo uma paixão passageira. Não tinha projetos, nem qualquer perspectiva para o futuro. Alegou que pretendia mudar de vida, que havia se enchido e que pretendia buscar alguma coisa diferente para si.
Ele procurou identificar o que havia acontecido, questionou-a a respeito dos motivos que a teriam levado a tomar tal resolução, mas foi em vão. Ela não acusava nada de significativo, simplesmente alegava descontentamento. Ele apelou para a amizade que sempre tiveram, propondo-se a ajudá-la no que pudesse, pedindo que o ajudasse também, no que estivesse a seu alcance. Ela concordava, mas comportava-se em sentido oposto, evitando-o, fugindo dele como se fosse um grande mal.
Ela abandonou os estudos, o emprego e foi morar com uma irmã, vivendo de pequenos expedientes, desprezando sua competência e capacidade, passando a viver sem objetivos definidos, pretendendo um sucesso que surgiria como num passe de mágica. Continua trabalhando onde pode, acumulando dificuldades e agindo da maneira que tanto criticou, com as maiores justificativas, no passado. Passou a viver contrariando tudo o que defendeu no passado, invertendo totalmente os valores que sempre assumiu.
Nicolau colocou o seu próprio problema, descobrindo que vivera tantos anos iludido, acreditando com tanta força em algo que se mostrou irreal, impossível. O quanto estava perdido, desorientado, sem saber que rumo tomar.
O professor demonstrou compreender o drama que ele estava vivendo. No entanto, defendeu que ele estava desprezando todo o aprendizado que a vida missionária lhe proporcionara. As experiências vividas, as análises feitas, a compreensão conseguida e, principalmente a descoberta de que existem coisas incompreensíveis.
Nicolau concordou com ele. Tinha consciência do tanto que aprendera naqueles anos. Foram experiências que provocaram análises, que geraram compreensão. No entanto, não sabia como usar tudo aquilo, não atinava com que valor prático poderia Ter.
O professor admitiu que a sociedade não costuma valorizar esse tipo de conhecimento, sem rótulos. Exigindo títulos acadêmicos, como prova de credibilidade. Considerou a dificuldade de publicar livros onde essas experiências e análises pudessem ser registradas, divulgando-as, possibilitando que muitas pessoas aprendessem com elas. Defendeu a necessidade de adaptar-se ao sistema, buscando os caminhos possíveis para atingir os objetivos.
Nicolau considerou que seria absolutamente incoerente aderir ao sistema depois de tantos anos lutando contra ele.
O professor alertou-o de que o que defenderam se mostrara impossível. Que continuava acreditando naqueles ideais e que procurava viver segundo eles no que fosse possível. No entanto, estava comprovada a impossibilidade de vivê-los plenamente. O sistema se mostrara mais forte, derrotando todas as tentativas de mudanças. Eles eram testemunhas da dificuldade, empenharam-se com todas as forças, sem medir sacrifícios e foram derrotados. É fundamental admitir isso, reconhecer a derrota e buscar meios de conviver com os vencedores. A única possibilidade diferente dessa é a desistência, abrir mão da vida que nos resta. Porém, se pretendermos continuar vivendo, é inevitável a adaptação.
O professor argumentou com a descoberta que tanto um como o outro haviam feito: a influência do mistério. Que era muito provável que ele agisse sobre eles, o que poderia estar acontecendo agora e que pode Ter acontecido em toda suas vidas. A ação dele independe de nossa vontade e o que tiver que ser, será, independente do que pretendamos ou façamos. Portanto, resta-nos continuar vivendo, fazendo o que estiver a nosso alcance e esperar o que o futuro nos reserva.
Nicolau pediu-lhe que o aconselhasse, que o ajudasse a encontrar um caminho, confessando estar totalmente perdido.
O professor mostrou-lhe que ele tinha um fator muito importante a seu favor: acostumara-se a sobreviver com o mínimo possível. Ele estava livre da grande dificuldade da maioria das pessoas, dominadas pelo consumismo, que as obrigava a ganhar sua satisfação, que nunca era atingida. Ele conseguiria continuar sobrevivendo com muito pouco, o que o desobrigava de lutar por grandes ganhos. Ofereceu-lhe hospedagem enquanto não conseguisse o mínimo necessário para manter-se. Aconselhou-o a retomar os estudos para conseguir títulos que avalizassem suas experiências e análises.
Convidou-o para escreverem juntos, buscando registrar o máximo de experiências e conceitos adquiridos. Procurariam os caminhos que possibilitassem a associação de realização e sobrevivência.
Nicolau questionou a viabilidade disso, uma vez que só conheciam a derrota, o fracasso e não tinham qualquer solução para os problemas encontrados.
O professor alegou a importância do conhecimento a respeito do inviável. Isso possibilita a busca de caminhos novos, evitando a repetência de erros já cometidos. No entanto, isso não é muito atrativo, não costuma ser valorizado pelas pessoas. É necessário encontrar alternativas, oferecer algumas soluções, atender a pretensão de quem pretendemos atingir. O sistema é assim e temos que aprender a conviver com ele, usando suas armas, interpretando o que for inevitável.
A primeira conscientização é que as pessoas são como são e não como gostaríamos que fossem.
Em segundo lugar, é fundamental que se compreenda que as pessoas tem o direito de optar, escolhendo entre as possibilidades.
Em terceiro lugar, é preciso tentar identificar o que está por trás das palavras e ações das pessoas. É preciso considerar a hipocrisia, saber que grande parte das vezes, as pessoas estão interpretando um papél, muitas vezes, até para si próprios.
É importante não afrontar diretamente as pessoas. As pessoas tem grande dificuldade de enfrentar seus erros, defeitos e incapacidades. Os problemas devem ser abordados impessoalmente ou se referindo a terceiros, para possibilitar que as sugestões sejam aproveitadas, sem Ter que admitir que servem para o indivíduo. Dar-lhe a possibilidade de aproveitar as sugestões, em segredo, sem Ter que revelar que necessitam delas.
Não devemos esquecer que os problemas que abordaremos não tem origem na racionalidade, muito pelo contrário, as causas deles estão na impossibilidade dela atuar. A maioria deles se origina na emoção e em preconceitos, além do mistério.
Nicolau quis saber em que áreas da sociedade esses conhecimentos poderiam ser úteis.
O professor alegou que em todos os setores: empresarial, educacional, social e familiar. Todo ser humano é atingido por esses problemas. A emoção, os preconceitos e o mistério atingem a todos, em maior ou menor grau.
O fundamental é estabelecer as diferenças entre emoção e razão. Mostrar a camuflagem que tenta esconder a realidade. É importante mostrar que a emoção usa a razão para justificar suas pretensões, fazendo parecer que é o indivíduo quem está no comando dela.
Nicolau quis saber em que a experiência deles poderia ajudar as pessoas.
Mostrando-lhes as interferências que sofrem, ajudando-os a percebe-las e o que pode ser feito para evitar ou minimizar os efeitos. Por exemplo:
As pessoas poderão perceber que o medo de errar, mas, principalmente, de que seu erro seja descoberto; se deve ao fato de que a maioria não perde oportunidade de criticar os erros alheios. A rejeição ao erro, também é motivado pelo não reconhecimento da falibilidade humana e suas limitações. O erro merece um tratamento diferenciado. É preciso identificar suas causas, se foi intencional, se foi resultado de descaso, inaptidão, incompetência ou se foi causado na tentativa de acerto. A primeira providência na constatação de um erro, é aproveitá-lo para aprender com ele. Buscar corrigir suas causas, inclusive quando forem humanas. É preciso que as pessoas se empenhem em acertar, deixando de temer o erro, admitindo-o quando acontecer, evitando gastar tempo e condições na tentativa de justificá-lo, escondê-lo ou tentar imputá-lo a outros.
O tratamento inadequado dos erros é enorme gerador de problemas.
O ser humano tem grande capacidade, basta verificar seus inventos, descobertas, sensibilidade demonstrada nas artes; força e coragem par enfrentar dificuldades, sofrimentos e adversidades; persistência na busca de objetivos, trabalhos braçais e interação com a natureza. Não resta dúvida que ele tem grande capacidade. No entanto, essa capacidade é limitada e ele é falível, por mais que se esforce para não errar. Tudo isso é facilmente constatável. Quando o indivíduo não reconhece seus limites, desgasta-se, tentando ultrapassá-los, enquanto esse tempo poderia ser usado naquilo de que é capaz. É natural querer ultrapassar limites mas, para isso, é preciso conhecê-los. Ultrapassar limites exige maior empenho e capacidade. Quando não reconhecemos os limites, tentamos ultrapassá-los sem aumentarmos o empenho nem buscarmos capacitar-nos mais.
Admitir nossas limitações, orgulhar-se dos erros cometidos na busca de acertos e Ter consciência de que aprendemos com eles e podemos crescer; eliminará grandes causas de nossos problemas.
Diante da grandiosidade do universo e do conhecimento acumulado pela humanidade, o conhecimento individual é muito pequeno, por maior que seja. Isso não lhe diminui a importância nem o valor; simplesmente mostra sua relatividade e nos mostra quanto é limitado.
O professor chamou a atenção de Nicolau para o erro que eles haviam cometido, lutando por um ideal que se mostrou impossível. Foi um erro acreditar que teriam sucesso, No entanto, ao invés de envergonhar-se do que fizeram, devem orgulhar-se de Ter tentado realizar algo que parecia razoável e que beneficiaria a humanidade. Esse erro lhes propiciara grande conhecimento e reforçara a humildade mostrando as limitações do ser humano.
Nicolau e o professor concluíram que a maior dificuldade do ser humano é identificar o que o satisfaria. Desvaloriza o que já conseguiu, por mais desejado que tenha sido; desejando o que não tem. Desejar o que não se tem é natural, no entanto, desprezar o já conseguido, deixando de aproveitá-lo é inconcebível. A experiência lhes mostrou a quantidade de decepções sofridas pelas pessoas, ao conseguirem ter seus desejos realizados, percebendo que desejaram tanto o que não as satisfazia e, até, lhes causava problemas quando conseguidos.
Um homem que estava no grupo em que Nicolau expunha seus pensamentos, naquela festa; concordou com ele e contou o que lhe acontecera: Sonhara, durante muitos anos, adquirir uma casa na praia, acreditando que isso lhe propiciaria grande felicidade e prazer. Dedicou-se a esse objetivo e, finalmente, conseguiu realiza-lo. Depois de algum tempo, a felicidade e prazer que acreditara conseguir com essa realização; transformaram-se em fonte de problemas. Despesa com impostos, manutenção, vigilância; para manter em condições aceitáveis uma casa que raramente ocupava. Passara muitos finais de semana trabalhando em reparos e manutenção da casa, ao invés de desfrutar o que desejara e acreditara que ela lhe proporcionaria. Sua esposa vivia reclamando que, ao invés de desfrutar a praia, empregava a maior parte do tempo limpando a casa, cozinhando, lavando roupa, em fim, trabalhando.
Outro homem do grupo comentou o seu exemplo. Passara a vida sonhando com a aposentadoria, acreditando que, com ela, passaria a desfrutar a vida. Depois de um ano de aposentadoria, voltara a trabalhar para livrar-se do tédio e apatia que o dominaram.

Robin
Depois do almoço assisti um filme com Robin Willians, a respeito de um robô, que se transformou em andróide e, finalmente adquiriu sensibilidade se tornando humano. Apaixonou-se e amou profundamente uma mulher de verdade, que retribuiu seu amor na mesma intensidade. Para completar sua humanização, tornou-se mortal e morreu no dia em que um tribunal mundial lhe concedeu o status de humano.
Continuo extremamente sensível e chorei muito assistindo esse filme. A emoção me comove, principalmente quando a emoção presenciada é o amor. Me senti feliz percebendo minha sensibilidade. Se, neste período ela me está causando grande sofrimento, em outros foi fonte de extrema felicidade e isso foi muito bom. Me tocou profundamente a opção do robot pela morte, reconhecendo o quanto seria difícil continuar vivendo sem a sua amada, que era mortal e morreria um dia.
Em certo momento do filme, quando ele ainda era um andróide, a moça por quem ele se apaixonaria mais tarde, disse-lhe que era muito certinho, não cometia erros, a maior característica do ser humano. É verdade! O ser humano é imperfeito, erra e faz bobagens. Não há como mudar isso, não é um defeito, acredito que foi projetado pelo criador. Se ele quisesse, o ser humano poderia ser perfeito. O que seria um ser humano perfeito?

Nenhum comentário: