quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Não acredita? Paciência...

RETROSPECTIVA
O me sentir um parasita imprestável me incomoda muito.
Infelizmente não tenho maior capacidade do que a que estou usando para conseguir trabalho. Nunca consegui vender, principalmente, a mim mesmo. Sempre precisei de alguém que me desse a partida.
Sei que tenho capacidade pra desenvolver uma gama bastante ampla de trabalhos, o problema é que não tenho oportunidade de realizá-los.
Pra aliviar o peso do sentimento de inutilidade, resolvi lembrar o quanto já me esforcei pra realizar coisas e obter sucesso.
Desde criança, acreditei que o trabalho, além de necessário para realizações e sucesso, é fundamental para a dignidade.
Por volta dos sete anos eu já vendia chuchu na feira (já ficou claro o quanto eu era ruim pra vender). Antes disso, raspei valetas na rua par conseguir areia para a continuidade da construção de nossa casa. Não gostava, mas fazia. Outro trabalho que eu detestava era virar o volante da bomba que retirava água do poço para alimentar a caixa, substituindo o motor que deveria fazer esse trabalho, mas que a falta de eletricidade impedia.
Engraxar sapatos foi outra atividade em que não tive maior sucesso, incapaz de conseguir um ponto bom, que já eram ocupados por moleques mais espertos, obrigando-me a contertar-me com pontos de menor potencial de fregueses.
Por volta dos onze anos, consegui o emprego em um depósito de material de construção. Atendia no balcão, ensacava cal virgem, fazia limpeza, arrumava madeira, sacos de cimento e cal, lavava o carro do patrão e coisas assim.
Aos treze anos fui trabalhar como oficeboy no escritório do patrão de minha tia. Fiz um curso rápido de datilografia (dez dias integrais).
Parei de estudar no final do terceiro ano do ginásio e comecei a trabalhar num desmanche na Rua Piratininga que, na época, era o centro de peças usadas para caminhões e automóveis. Ajudava a desmanchar carros, desmontava motores, câmbios e diferenciais, fazia limpeza, lavava o banheiro, tratava dos passarinhos e ainda sofria as gozações, comuns àquela época, aplicadas aos aprendizes.
Depois do desmanche, trabalhei em oficinas de caminhões pesados, onde o serviço não era nada leve, mas eu não sentia maior sacrifício e, até, gostava. O macacão impregnado de óleo e graxa segurava a terra do piso da oficina, me fazendo parecer um mecânico a milanesa. É claro que para os ajudantes sobravam os piores serviços, como lavar peças e cuidar da limpeza.
Era bastante trabalho e pouco dinheiro que, aliás, ia todo pra casa. Não tinha essa de que o dinheiro que você ganhava era seu. O pagamento era entregue aos pais que o devolviam aos poucos, na medida da necessidade. As palavras luxo e conforto não tinham muito sentido naquela época. Eu não sentia falta deles por não fazerem parte do meu mundo, do meio em que vivia.
Minha preocupação principal era aprender.
Influenciado pelo sucesso de uma família de portugueses, que moravam no mesmo bairro que eu e que ganhavam dinheiro vendendo coisas de casa em casa; usei o dinheiro recebido ao sair da última oficina, comprei um saco e enchi-o de frigideiras. A ânsia de viajar me levou a ir para o interior vender as bugigangas. Era um sacrifício bater palmas nos portões das casas e oferecer os produtos. Outro sacrifício era a falta de dinheiro, dificultando ate a refeição mais elementar. Era uma mistura de prazer, propiciado pelas viagens, e sacrifício ao ter que abordar pessoas e oferecer as mercadorias. Cada abordagem exigia um sacrifício enorme. Só quem tem essa dificuldade pode entender o que isso significa.
Por volta dos dezenove anos, o sonho acalentado desde a infância se concretizou. Consegui emprego como motorista de caminhão, transportando cargas pelas estradas do país.
Como o salário era pequeno, a maneira de conseguir um pouco mais era economizar na comida e dispensar ajudantes, apropriando o dinheiro que a empresa fornecia para pagá-los. O prazer de viajar dirigindo um caminhão, superava em muito os sacrifícios exigidos que, alíás, nem eram sentidos.
O sonho tinha se realizado, portanto, deixara de sê-lo. O desejo de progresso econômico, me levou a trocar a vida de camioneiro pela de mecânico em uma indústria de vidros.
Depois de algum tempo, como o progresso esperado não acontecesse; aproveitei o incentivo de um amigo para comprar uma freguesia de bolos, a disposição do gerente da fábrica me oferecendo dinheiro, a juros, para que eu montasse um negócio; e me meti no novo desafio. Levantava as três da manhã e, com calor, frio ou chuva, percorria a freguesia entregando os bolos. Carros velhos que viviam quebrando e falta de dinheiro, eram causadores de grandes problemas, exigindo razoáveis sacrifícios.
Apareceu a oportunidade de diminuir os sacrifícios e aumentar os rendimentos, trocando a freguesia de bolos por outra de chocolates. O previsto não aconteceu e o fracasso me obrigou a recomeçar do zero, agravado pela dívida assumida para esse recomeço.
Depois de cinco ou seis anos, considerei que o comércio não era minha praia e decidi voltar a estudar. Madureza, cursinho e, finalmente, a faculdade. Quando recomecei a estudar, já estava casado e já tinha a primeira filha. Trabalhava bastante e me empenhava nos estudos. Embora me exigisse bastante esforço, não me parecia que fosse um sacrifício. Encarava tudo com naturalidade e o esforço despendido não causava maior sofrimento.
No começo da faculdade, troquei o comércio pelo trabalho de empreiteiro de limpeza de obras, associando-me com o que meu pai fazia.
Alguns meses antes da conclusão do curso, a constatação de que aquele trabalho não oferecia maiores perspectivas, decidi estagiar em engenharia, aceitando a oportunidade de trabalhar em uma empresa de projetos e consultoria que passava por grandes dificuldades financeiras. O salário era muito pequeno, o que me obrigou a passar um bom tempo almoçando sanduíche de pão com ovo. As dificuldades foram grandes, mas o aprendizado foi razoável.
Depois de alguns meses, quando eu contava com vinte e nove anos e há poucos meses da formatura; tive a oportunidade de trabalhar em uma construtora. Um amigo de meu pai me indicou para essa vaga.
Depois de alguns contratempos nos primeiros meses, acabei sendo reconhecido, conseguindo um salário razoável, um carro novo e promessa de um futuro de sucesso.
O idealismo me levou a empenhar-me para provar que a discriminação sofrida pelos meus colegas de profissão era inaceitável. Além de empenhar-me para provar isso, dediquei o tempo disponível participando de discussões, manifestações e todo tipo de evento que envolvesse esse problema. Não media esforços para participar da política estudantil e profissional, sem que isso prejudicasse o meu trabalho.
Eu poderia ter feito um curso complementar e conseguir trocar o título de tecnólogo pelo de engenheiro, adaptando-me ao sistema ao invés de contestá-lo. Isso me exigiu grande empenho, durante muitos anos e, infelizmente, sem as vitórias esperadas.
Esse empenho resultou em um aprendizado muito grande e que me propiciou admiração e reconhecimento junto aos que trabalhavam comigo. Se durante esses cinco ou seis anos a vida foi tumultuada, a situação financeira era estável, proporcionando um nível de vida razoável.
Durante esses anos, paralelamente a tantas atividades, desenvolvi um processo para projetar formas para estruturas de concreto. Idealizei o sistema, fiz projetos e comprovei sua eficácia na prática, executando-os. Era uma espécie de “ovo de Colombo”. Era inédito e só um engenheiro nipônico, em todo o país, fazia projetos de formas e, mesmo assim, muito diferente dos meus. Ele propiciava grande economia, associada a uma grande melhora de qualidade.
Associei-me a dois amigos que se dispuseram a investir e constituímos uma empresa para empreender essa nova atividade.
Eu continuei trabalhando na construtora e dedicava as noites para o trabalho na nova empresa. Passei muitas madrugadas cortando madeira, pregando, cortando, dobrando ferros e soldando. Além de montar tabelas e fórmulas para facilitar os projetos.
A incompetência comercial impediu que a “galinha dos ovos de ouro” propiciasse o sucesso econômico que prometia. A desilusão me fez abandonar essa empreitada que, se não rendeu muito dinheiro, exigiu muito trabalho, esforço e sacrifício.
Na primeira metade dos anos oitenta, uma grande crise na construção civil me devolveu a dificuldade financeira, tendo que lutar pela sobrevivência, tendo que supervalorizar os trocados. A dificuldade só não foi maior porque, durante esse período, tinha conseguido comprar a casa própria e um terreno de sociedade com um amigo.
O proprietário da última obra que fiz pela construtora, me ofereceu um trabalho de meio período, pelo que me pagava uma miséria, para ajudá-lo a montar a indústria naquele prédio. Aceitei, por falta de alternativa. Quem tinha se acostumado a só andar de carro, teve que voltar a andar de condução, pegando duas para ir e outras duas para voltar.
O mesmo amigo que me indicou para a construtora, me indicou para um engenheiro que começava uma nova construtora. Juntei esse novo trabalho ao da montagem da fábrica e as coisas começaram a melhorar.
Depois de três anos a construtora já havia crescido bastante, eu me tornei coordenador de engenharia e a estabilidade econômica se estabeleceu novamente. Paralelamente fiz alguns trabalhos com uma amiga, arquiteta, quando chegamos a construir uma casa para um amigo dela, entre outros trabalhos.
Foram mais dois anos de sucesso propiciado por um trabalho tranqüilo, que me propiciava tempo para começar a escrever reflexões.
Uma nova crise, desta vez geral e não restrita à construção civil, me devolveu os problemas econômicos. Perdi o trabalho na construtora e só me restou um trabalho de acessória, que prestava para a comissão de obras de um edifício de apartamentos e um quase nada que me rendia a construção de um prédio que começara pouco tempo antes. Esse prédio me rendia uma pequena porcentagem sobre o que era gasto, mas como o que era gasto era muito pouco, o que ele me rendia era irrisório. Só ganhava o suficiente para sobreviver com muitas limitações.
A crise econômica foi passando e a construção desse prédio foi me propiciando uma melhora econômica razoável. Além da melhora econômica, esse trabalho me propiciava bastante tempo, proporcionando uma qualidade de vida muito boa.
Ao final dessa obra, nova crise na construção civil se somou a problemas particulares e profissionais que me desiludiram com a vida que levara até ali.
Um amigo que trabalhava com luminosos, conseguira um contrato com a coca-cola para a manutenção de seus luminosos. Ele me disse que a coca-cola pretendia contratar outras prestadoras de serviço para atender a baixada santista e a região de Campinas, incentivando-me a tentar essa possibilidade.
Associei-me a um dos amigos que participara da aventura do projeto de formas e dediquei-me à nova empreitada. Enquanto a oportunidade não surgia, dediquei-me a fazer pequenos trabalhos de limpeza e manutenção de luminosos para aprender o novo ofício.
Lavar lonas encardidas de luminosos, reparar a instalação elétrica, trabalhar em lojas de shopings de madrugada para consertar e manter luminosos, entre outros trabalhos, compunham o dia a dia na espera pela oportunidade prometida. Para não gastar com empregados, eu, meu sobrinho e um amigo dele, fazíamos tudo que era necessário.
O filho desse amigo que era meu sócio, que é meu afilhado, estava metido com uso de drogas. O pai, tentando resolver o problema do filho, freqüentava um grupo de apoio a dependentes. Aconselhado por esse grupo, internou o filho em uma clínica especializada no tratamento.
Um dia, comentou comigo que uma clínica de tratamento de dependentes de drogas, poderia ser um bom negócio, além de propiciar um trabalho social importante. Disse estar pensando em montar uma.
Recolhi os dados de que ele dispunha e fiz um estudo de viabilidade, concluindo que, realmente, poderia ser um bom negócio. Não permitia grandes lucros, mas propiciava um ganho razoável e uma satisfação moral bastante grande.
Abandonamos o negócio dos luminosos e nos dedicamos à montagem da clínica em um sítio, que alugamos da viúva de um amigo nosso. Ele se encarregou de conseguir os internos, receber as mensalidades e fornecer o capital necessário para a montagem. Eu me dediquei a reformar o sítio e adaptá-lo para o funcionamento. Depois disso, eu moraria lá e administraria o empreendimento. Uma equipe de ex-drogados seria contratada para ministrar o tratamento sob a supervisão de dois dirigentes do grupo de apoio que esse amigo freqüentava.
Eu, que já há algum tempo estava separado de minha mulher, mudei-me para o sítio e me dediquei a prepará-lo. Contratei um amigo que era caseiro em um sítio vizinho, dois ajudantes e atirei-me à empreitada.
Fizemos um muro de arrimo de pedras e terraplanagem manual para a construção de um barracão de madeira, para abrigar as tranqueiras que ocupavam um galpão onde construiríamos a cozinha, refeitório, banheiros e vestiário para os internos.
Fiz todo o trabalho de carpintaria sozinho porque os outros não sabiam e tinham medo de altura. Cortei, preguei, montei, telhei e construí um mezanino. Trabalhei com tal afinco que, mesmo sendo agosto de um rigoroso inverno, onde as temperaturas eram bastante baixas, quando eu embalava no trabalho, tirava a camisa por causa do calor que sentia. Não era valentia nem queria demonstrar que era mais valente que os outros; era disposição, motivação pra realizar um projeto. Morei sozinho por mais de dois meses, fazendo sopas e pudins de leite condensado.
Limpamos o fundo da represa, enterramos mais de trezentos metros de tubulação para levar energia elétrica até o barracão, transportamos as tranqueiras e limpamos tudo.
A clínica começou a funcionar e eu, além da administração e suprimento, era encarregado da laborterapia para os internos.
A equipe de tratamento não me aceitava por eu não ser um ex-dependente e procurava me criar todo tipo de contratempos. Suportei tudo isso e trabalhei com afinco objetivando o sucesso da clínica.
Depois de mais de um ano, quase dois, os membros da equipe; o coordenador e um dos monitores brigaram, quiseram se matar e o coordenador fugiu na camionete da clínica, dirigida por outro monitor. Nos dias que se seguiram, toda a equipe de tratamento foi embora e os familiares levaram boa parte dos internos.
Fiquei sozinho com os que sobraram e ao invés de considerar isso como um sacrifício, encarei a situação como um desafio, onde poderia implementar modificações no tratamento, que me pareciam necessárias e que, eu imaginava, poderiam propiciar bons resultados. Lutei contra as dificuldades, inclusive contra as sabotagens promovidas por meu sócio, que discordava das modificações que implementei. Ele pretendia que a religiosidade obsessiva continuasse dominando o tratamento, enquanto eu defendia a convivência social e o enfrentamento dos problemas. Ele não providenciou mais internos e a clínica, com o passar do tempo, faliu.
Projetei transformar o sítio em pousada, pesque-pague e restaurante caipira. No entanto, não tinha apoio do sócio, nem a boa vontade da proprietária do sítio, além de não ter dinheiro pra investir.
Em contrapartida a tantas dificuldades, fracassos e decepções, recebi uma companheira que se transformou em minha alma gêmea e topou encarar desafios e lutar para superar as dificuldades e alcançar sucesso.
Nos mudamos para uma casa que meu cunhado tinha no sítio de seu irmão em Mogi das Cruzes. Passamos a fazer queijos, doce de leite, compotas e geléias, além de chutneis e patês.
Três vezes por semana eu saia as três e meia da manhã e ia até Guararema buscar leite para nossos produtos. Comprava frutas e tomates no CEASA em Mogi das Cruzes. Trabalhamos muito e não medimos esforços para conseguir sucesso na empreitada. No entanto, não conseguimos o pretendido.
Meu cunhado me falou sobre um novo revestimento para fachadas, de origem italiana, que seria um sucesso. Falou sobre a necessidade de formar equipes para aplicá-lo e sugeriu que nós fossemos pra Ribeirão Preto, onde em sua loja, venderia o produto e eu me encarregaria de aplicá-lo.
Ele viajou com minha irmã para a Espanha, enquanto eu e minha companheira fomos pra Ribeirão, onde apliquei o tal revestimento nas fachada do prédio de sua loja. Notei a dificuldade de aplicá-lo e que as dificuldades eram bem maiores que os benefícios imaginados.
Minha irmã, que já vinha financiando minhas empreitadas desde a falência da clínica, propôs que montássemos uma firma de limpeza, alegando que a cidade estava carente desse tipo de prestador de serviços. Lavaríamos carpetes, tapetes, estofados, piscinas, em fim, tudo que precisasse limpeza.
Compramos materiais e equipamentos e começamos a nova empreitada. Distribuímos folhetos de propaganda, lavei caixas de água, telhados, estofados, carpetes e até estofamentos de carros. Logo ficou claro que havia mais prestadores desse tipo de serviço que trabalho a ser feito. Trabalhamos dias e noites, direto, numa loja âncora de um shoping que seria inaugurada. Trabalhamos como burros, mais de cinco vezes a área inicial e só recebemos o previamente combinado, como se não tivéssemos feito mais nada além do tratado inicialmente.
Mais um fracasso. De volta à estaca zero. Deixei minha companheira na casa de sua irmã, no sul de Minas e vim pra São Paulo tentar alguma coisa.
Vendi o carro, dei entrada em uma Kombi e comecei a trabalhar na distribuição de folhetos de propaganda. Saia as três da manhã, pegava os 6 moleques da minha equipe e saia pra distribuição.
Trouxe minha companheira, que se juntou a nós no trabalho, com vontade e determinação.
Quando surgiu a oportunidade de socorrer carros quebrados por conta das seguradoras, montei na moto e parti pra nova empreitada. Minha companheira assumiu a entrega de folhetos e trabalhou até que conseguiu um emprego como atendente na empresa de socorro em que eu trabalhava.
Frio, chuva, tombos, aprender com a novidade dos defeitos, compunham o cotidiano. Progresso econômico, no entanto, nada.
Minha companheira e eu, além de muito trabalho e pouca remuneração; enfrentávamos, principalmente ela, problemas criados por pessoas que não se conformavam com nossa felicidade. Acabamos decidindo voltar pra roça e viver com simplicidade, já que o sucesso financeiro se negava a acontecer.
Recebi uma proposta pra tentar um trabalho em Campo Grande, no Mato Grosso do sul. Era pra tentar identificar e resolver os problemas que aconteciam em uma empresa.
Combinamos que minha companheira iria pra casa de sua mãe. na roça, enquanto eu faria a experiência. Nos separamos, ela foi pra roça e, eu, pra Campo Grande.
Colocaram muitos obstáculos para impedir que eu realizasse o trabalho a que me propus. Resisti e perseverei. Quando parecia que iria dar certo, levei a companheira pra lá e continuei lutando.
Fui derrotado mais uma vez. Tentei conseguir outro emprego. Criei uma apostila pra proferir palestras e ministrar cursos, objetivando diminuir problemas de relacionamento entre os trabalhadores nas empresas; ofereci esse serviço, mas não consegui nada.
Fabriquei churrasqueiras e escadas metálicas, vendi bolos e salgados que nós fazíamos, em pequenas fábricas e oficinas, pra sobreviver, enquanto esperávamos que alguma oportunidade aparecesse. Não apareceu. Fiz bicos em um auto-elétrico pra ajudar na sobrevivência.
Voltamos pra roça, troquei o carro e a moto num trator, que deveria continuar pagando. Comprei um guincho e me dediquei ao corte de árvores para serrarias.
Enquanto preparava o trator para o trabalho, levantei, muitas vezes, as duas da manhã e iniciava o trabalho. A ansiedade não me deixava dormir e a motivação me fazia trabalhar com afinco.
Foi uma época de muita chuva, o que obrigava a muito trabalho, pouco rendimento e menos dinheiro ainda.
Persisti obstinadamente até que as coisas começaram a melhorar. Quando as coisas pareciam se encaminhar para uma vida mais tranqüila, perdi minha companheira, parou o corte de madeira e fui atirado no poço mais fundo que conheci.
A luta, agora, era a mais difícil que já enfrentara. Não era para obter sucesso, nem dinheiro; era para continuar vivendo, contra o desejo de morrer e desistir de tudo. Pra resistir a um sofrimento indescritível.
Não bastasse tudo isso, ninguém dá valor ao meu conhecimento e capacidade, impedindo-me de usá-los e ter a chance de recuperar a dignidade.
Muitos trabalharam mais que eu e sofreram mais também. No entanto, poucos se empenharam tanto, se dedicaram tanto aos objetivos e lutaram para conquistá-los. Não era só trabalho, era idealismo, A busca de qualidade, eficiência, vantagens coletivas e justiça, sempre estiveram à frente de ambições econômicas pessoais. Nunca trabalhei para cumprir uma tarefa e sim para conseguir algo mais.
Agora, estou aqui, inútil, não por falta de capacidade ou conhecimento, mas por falta de oportunidade.
“A razão tem razões que a própria razão desconhece”. “Existem mais mistérios entre o Céu e a Terra, que pode nossa vã imaginação”. “Yo no creo em bruxas, pero que lãs ai, ai”. Não importa o ditado, provérbio ou sei lá o quê; o que é evidente é a existência de um mistério que afeta a vida e, contra o que, a capacidade humana é impotente.
Esta história é real, qualquer semelhança coma ficção é pura coincidência.